Uma reportagem da revista “Veja”, baseada em extenso levantamento feito nas despesas dos diretórios nacionais dos partidos políticos, revelou que parte significativa dos gastos do Fundo Partidário, totalizando quase 1 bilhão de reais no ano passado, vem sendo usada para permitir que os políticos desfrutem de voos de jatinho, transporte por carrões e uso de mansões. Eles ainda garantem a contratação de alguns dos melhores advogados da praça para defendê-los de acusações de corrupção – ou seja, o dinheiro público serve para livrar da Justiça os acusados de roubar dinheiro público, segundo o texto dos jornalistas Bruno Ribeiro e Leonardo Lellis. As informações foram fornecidas pelas próprias siglas ao Tribunal Superior Eleitoral.
De acordo com a reportagem, ser presidente de partido político virou um emprego público dos mais cobiçados, devido à elevada remuneração. Entre os dirigentes com os maiores salários pagos pelo Fundo Partidário, em reais, em 2021, figura Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, que embolsou R$ 323 615, enquanto Luciano Araújo de Oliveira, tesoureiro do Solidariedade, contabilizou no seu contracheque R$ 370 085. Os partidos destinaram 2,3 milhões de reais em 2021 para o deslocamento de dirigentes por meio de táxi-aéreo. O PT de Luiz Inácio Lula da Silva utilizou 826 805 reais com a locação de jatinhos semelhantes ao que transporta o ex-presidente em suas viagens para negociar apoios à sua candidatura à Presidência. O PP do ministro Ciro Nogueira, porém, foi a sigla que mais gastou com esse tipo de despesa: 1,2 milhão de reais.
Quase um quarto dos 571 milhões de reais gastos pelos diretórios nacionais foi para as chamadas fundações partidárias, entidades que não se submetem ao mesmo crivo da Justiça Eleitoral, devendo apenas entregar uma prestação de contas em papel, para suposta análise. O Republicanos, que fez de sua fundação uma faculdade reconhecida pelo Ministério da Educação em 2019, já no governo Bolsonaro, de quem o partido é um dos principais aliados, é quem mais gasta proporcionalmente com esse tipo de entidade: 59% de suas despesas têm essa destinação. A instituição de ensino, não obstante, cobra mensalidades e se vale de financiamentos públicos como o Fies e Prouni. Uma exceção apontada é o Partido Novo, que na contramão da farra com os recursos do Fundo Partidário, é o único a não viver dessa fonte de recursos. De pouco mais de 29 milhões de reais que o partido recebeu do TSE no ano passado, foram gastos apenas 5,9 milhões, uma vez que há despesas obrigatórias, como 5% do total destinado a mulheres e 20% destinado a fundações partidárias.
A reportagem revela alguns detalhes peculiares da chamada farra com dinheiro do Fundo Partidário. O PSL, por exemplo, gastou 5,4 milhões de reais para comprar uma casa de 300 metros quadrados nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, a fim de abrigar a sede paulista do partido. O PSD e o Solidariedade usaram dinheiro do fundo para pagar a dois advogados que defenderam seus presidentes, Gilberto Kassab e Paulinho da Força, de acusações feitas pela Lava-Jato. O PTB pagou 129 000 reais em hospedagem no Hotel Emiliano, um dos mais sofisticados do país, para seus integrantes. Os partidos pagam salários a seus dirigentes que não têm mandato. Só no caso do PT foram 2,2 milhões de reais gastos para remunerar doze integrantes da Executiva Nacional. Só os diretórios nacionais dos partidos destinaram 141 milhões de reais a suas fundações, que não prestam contas ao TSE. Uma única compra feita pelo Pros em um açougue nos arredores de Brasília ficou em 6 000 reais. Nove partidos gastaram 442 000 reais com empresas consideradas inidôneas e proibidas de ser contratadas pelo poder público – o PSDB lidera a lista, com 130 600 reais.
“Veja” conclui que o apetite dos partidos pelo dinheiro público é um mal que só tende a crescer. E há uma razão para isso: são eles mesmos que determinam essa expansão. A Lei dos Partidos Políticos, que criou o Fundo Partidário, é de 1995, mas ela já sofreu cinco reformas desde então, sempre de modo a permitir mais gastos. Uma mudança ocorrida em 2019 estabeleceu que as legendas poderiam investir na compra de carros e até de aeronaves próprias. Agora, há uma discussão no Senado, onde tramita mais uma reforma já aprovada na Câmara, para a inclusão do item “outros” – ou seja, a tentativa é de abrir de vez a porteira. Membros da direção de algumas siglas também são contratados como prestadores de serviços, caso do tesoureiro do DEM, Romero Azevêdo, que levou 439 336 reais.