Nonato Guedes
Aliados políticos do presidente Jair Bolsonaro (PL) em Brasília e em diferentes Estados começam a esboçar preocupação com o continuado desgaste do governo sem que, até agora, concretamente, haja sinais de reação, o que coloca claramente em risco as chances de reeleição do mandatário no pleito de outubro. Uma reportagem da revista “Veja” aponta que são sérios os obstáculos no caminho de Bolsonaro – da alta da inflação ao crescimento da pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Embora apareça na segunda colocação em pesquisas de intenção de voto, com uma distância folgada do terceiro colocado, seu ex-ministro Sergio Moro, é difícil para Bolsonaro manter a popularidade em um patamar que o credencie a ganhar a disputa no segundo turno.
De maio para cá, as intenções de voto em Jair Bolsonaro caíram de 29% para 25%, segundo o Índice 2022, uma ferramenta de “Veja” que agrega os resultados de pesquisas eleitorais dos principais institutos do Brasil. Mesmo que não seja uma oscilação tão trágica, há agravantes consideráveis no quadro, a começar pela alta taxa de rejeição ao governo, que pode continuar puxando para baixo os números de intenção de votos. Lula, que desponta como favorito, cresceu de 29% para 42% e, como se não bastasse, de cada cinco eleitores que Bolsonaro teve no segundo turno de 2018, ao menos um já declara preferência hoje pelo petista, no fenômeno conhecido como “voto bolsaolula”. Nos últimos dias, o presidente da República voltou ao Nordeste, onde cerca de 60% dos habitantes avaliam de forma negativa o seu governo, enquanto a taxa nacional de reprovação é de 51%, o maior resultado da série histórica iniciada em junho.
A reportagem lembra que desde o pleito de 1998, nenhum político conseguiu se reeleger ostentando números tão negativos. Até o eleitorado evangélico, uma das principais bases de apoiadores de Bolsonaro, aparece hoje rigorosamente dividido quanto à avaliação do seu governo. Há um forte temor de aliados ortodoxos do mandatário de que Bolsonaro entre para a história como o primeiro presidente do período da redemocratização a não ser reeleito – e também o primeiro a não conseguir chegar sequer ao segundo turno. A luz amarela, exatamente por causa disso, acendeu no Palácio do Planalto, organizando-se às pressas roteiros de viagens por regiões e Estados do país. Em março, ele deverá voltar ao Nordeste com uma comitiva que deve percorrer o Rio Grande do Norte, também para entregar obras de segurança hídrica. Geralmente as obras entregues pelo presidente no Nordeste integram o cronograma do projeto de transposição das águas do rio São Francisco e acabam devolvendo a imagem de Lula ao inconsciente do eleitor por ter sido ele o que mais avançou nesse campo.
Segundo “Veja”, apesar dos resultados ruins na economia e das eventuais deserções que sofre na área política, Bolsonaro está longe de admitir uma possível derrota. Suas esperanças estariam depositadas em algumas armas para tentar reverter o cenário – nesse sentido, o chamado “entorno” do presidente aposta fichas em que o Auxílio Brasil, versão repaginada e turbinada do Bolsa Família, ainda se transforme em uma grande moeda eleitoral. Serão beneficiados pelo programa 17,5 milhões de famílias, com previsão de gastos de 89 bilhões de reais até dezembro. Desde o início dos pagamentos, no fim do ano passado, porém, o benefício mudou muito pouco a percepção sobre a imagem de Bolsonaro entre as classes mais pobres. Na última pesquisa Quaest, divulgada no dia nove, ele continuou a cair no Nordeste, a região mais beneficiada. E, para piorar, as dívidas acumuladas pelas famílias consomem quase um terço do que é recebido. O governo pretende tirar do papel nos próximos meses uma agenda de concessões na infraestrutura que deve resultar em investimentos novos com potencial de geração de empregos. A dúvida é saber se, a esta altura, a reversão será possível.
O saldo da pandemia de covid-19 representa outra encrenca para o governo, que ficará marcado para sempre na história por acreditar e investir mais em cloroquina e afins do que em vacinas contra o coronavírus, ressalta “Veja”. Nesse caso, segundo parlamentares da base governista, a ideia é tentar amenizar as críticas ao negacionismo com o discurso de que, mesmo sendo pessoalmente contrário à imunização, Bolsonaro cumpriu o papel de distribuição dos produtos e o Brasil tem, hoje, um dos maiores porcentuais de população vacinada do mundo. A revista informa que na considerável lista de obstáculos até as urnas deste ano, talvez o maior deles seja o próprio Bolsonaro. E cita o cientista político Bruno Silva, da Universidade Estadual Paulista, para quem “o antibolsonarismo pode ser um elemento fundamental nessa eleição”. Trata-se de um cenário bem diferente daquele que ajudou no sucesso do capitão em 2018, quando ele apresentou um discurso de outsider e não precisou fazer costuras com partido algum para vencer.
“O presidente Jair Bolsonaro vai precisar se reinventar para tentar ser reeleito ao governo”, afirmam os cientistas políticos. O problema é que poucos acreditam nessa capacidade ou na possibilidade de resultados em pouco tempo. Pode até parecer que Lula e seus apoiadores estão demonstrando triunfalismo exagerado. Mas que o petista é favorito, na conjuntura atual, disso não duvidam nem os bolsonaristas ortodoxos, cansados de aguardar uma reversão que não se insinua no horizonte político para as eleições de 2022.