Nonato Guedes
O governador de São Paulo, João Doria, vencedor das prévias internas que escolheram o pré-candidato do PSDB à presidência da República, está na posição do postulante que ganha mas não leva. A derrota que ele infligiu ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, deveria ser o passaporte para sua consagração como provável forte candidato ao Planalto em clima de unidade. Doria teria um grande trunfo a exibir na campanha eleitoral propriamente dita: o êxito na campanha de vacinação contra a Covid-19 em seu Estado, que ainda hoje é reconhecido como exemplo para todo o país. Além do mais, encarnaria o perfil de representante das forças políticas de centro que buscam uma alternativa desesperada à polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro.
As divergências no ninho tucano, entretanto, conspiram contra virtuais chances de Doria e sinalizam o declínio do PSDB, que num passado não muito distante polarizou com o Partido dos Trabalhadores as preferências do eleitorado, colecionando algumas vitórias e várias derrotas. Uma reportagem da revista “Veja”, intitulada “Ninho de inimigos”, mostra que o futuro da campanha presidencial tucana não é apenas crucial para a carreira de Doria, mas pode definir também o destino do PSDB. “Se não recuperar a relevância no cenário nacional, o PSDB corre o risco de entrar para o limbo do Centrão, engordando o número de siglas nanicas que vivem à custa de dinheiro de emendas e nacos menores de poder, sem qualquer identidade ideológica”, informa “Veja”, acrescentando que os tucanos têm o desafio, nas eleições deste ano, de superar Jair Bolsonaro para ter chance de chegar no segundo turno e resgatar o papel de alternativa moderada da centro-direita.
O pior cenário, agora, seria desistir da disputa, sob o risco de acabar sendo engolido na composição de centro que o ex-presidente Lula tenta formar para derrotar o bolsonarismo e que já atrai diferentes partidos, num vasto espectro político e ideológico poucas vezes visto na história eleitoral do país. Seria, de alguma forma, o fim do PSDB. “O partido poderá perder o protagonismo e a identidade”, afirma o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio. O PSDB já governou o país por oito anos e colecionou avanços nas áreas econômica e social, nos tempos de Fernando Henrique Cardoso. Mas os prognósticos são desanimadores em várias esferas do pleito de 2022, com ameaça de derrota nas urnas e encolhimento do tamanho da bancada no Congresso Nacional. O protagonismo está sendo assumido por outras legendas, que buscam se fundir ou formar federações para sobreviver.
As prévias inéditas do PSDB custaram cerca de 10 milhões de reais, pagas com dinheiro público, e foram concebidas como um passo estratégico importante para devolver ao PSDB papel importante na política nacional, na linha de frente. Passados menos de três meses das prévias, como revela “Veja”, o governador João Doria não decola em pesquisas de intenções de voto e, em paralelo, as fissuras internas estão longe de serem resolvidas. “Em um misto de suicídio político temperado à base de interesses paroquiais e rivalidades antigas, alas minoritárias, porém, barulhentas, da sigla, iniciaram campanha para desistir de uma candidatura presidencial própria, enquanto a própria campanha de Doria ainda mal começou. Inimigos externos interessados em inviabilizar qualquer decolagem de um nome da terceira via engrossam esse movimento”, menciona a reportagem. Embora se apresente como anti-Bolsonaro, Doria fez dobradinha com o capitão nas eleições de 2018 ao governo de São Paulo, protagonizando a famosa chapa BolsoDoria, que saiu vitoriosa. Os desentendimentos ganharam força no exercício dos respectivos mandatos.
Originalmente formado como uma “costela” do extinto PMDB, o PSDB sempre foi encarado como um partido elitista, mantendo a respeitabilidade pela presença de expoentes da cena nacional que nele pontificaram como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas o partido não soube se reinventar e, ao que tudo indica, padece na atual conjuntura da exaustão dos ciclos de sobrevida dos partidos políticos. Está longe, cada vez mais longe do Palácio do Planalto. Nos Estados, joga o que pode ser sua última cartada no processo político brasileiro, lançando candidatos a governos – ora competitivos, ora não. Na Paraíba, o partido optou por candidatura própria, na figura do deputado federal Pedro Cunha Lima, depois que o ex-prefeito Romero Rodrigues, do PSD, jogou a toalha em Campina Grande. O desempenho de Pedro é uma incógnita e a falta de estrutura do PSDB dificulta seus movimentos. Ele pretende radicalizar no discurso contra o governo João Azevêdo para tentar se firmar na oposição, que atrai outros concorrentes de peso a serem oficializados em convenções. Sem um candidato forte à presidência da República, o caminho é muito mais difícil para os tucanos.