Nonato Guedes
A deputada federal pelo PSOL e ex-prefeita de São Paulo Luíza Erundina disse, ontem, ao UOL Entrevista, que não basta a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Planalto ser viável, é preciso que o líder petista tenha compromissos políticos. Paraibana da cidade de Uiraúna e com trajetória política de longevidade no cenário brasileiro, Erundina mantém-se coerente com suas posições ou pontos de vista, no campo da esquerda, mas com visão crítica diante de posturas que estão sendo ensaiadas tendo como pretexto derrotar o governo do presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarismo como ideia política que está associada ao atraso e ao negacionismo latente, demonstrado por ocasião da pandemia de covid-19 no país.
“Não basta sermos mais um governo Lula, do PT, para fazer o que fez no seu tempo. Ele não fez as reformas estruturais que precisavam ser feitas. Mecanismos de democracia participativa teriam que ser institucionalizados (…) É preciso ter compromissos públicos, explicitados publicamente”, avaliou Luíza Erundina, que entrou na História como primeira mulher a se eleger prefeita da capital paulista, além de ostentar a condição de nordestina e de, na época, estar filiada ao Partido dos Trabalhadores. Apesar de declarar apoio à pré-candidatura petista, Erundina critica a possível aliança entre Lula e o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que pode ocupar a vice na eventual chapa. Expoente do PSDB por um bom período e adversário de Lula em disputa presidencial lá atrás, Alckmin acertou, ontem, sua filiação ao PSB (Partido Socialista Brasileiro) como etapa para se credenciar a ser vice de Lula.
Na opinião da deputada Luíza Erundina, “não tem nada a ver” a escolha de Geraldo Alckmin para companheiro de chapa de Lula, em mais uma tentativa do petista de voltar ao Palácio do Planalto. E acrescentou: “Essa foi uma das coisas que me fizeram sair do PT, do PSB. É exatamente essa “largueza” das alianças que eles fazem. Ele (Geraldo Alckmin) nunca foi uma liderança política capaz de marcar presença nos destinos do país”. O posicionamento de Erundina contra a indicação de Alckmin para vice de Lula não é isolado na esquerda. No próprio Partido dos Trabalhadores há forte resistência ao que se chama de “pragmatismo excessivo” de Lula ao tentar se compor com remanescentes do PSDB, a quem combateu durante muito tempo. Alega-se que, além do mais, Alckmin não acrescenta muito à chapa em termos de potencial eleitoral. Nos bastidores, atribui-se a opção de Lula por Alckmin a uma manobra para tentar posicionar bem o PT na corrida pelo governo de São Paulo, a que deverá concorrer o ex-prefeito e ex-ministro Fernando Haddad.
Ainda na entrevista ao UOL, Luíza Erundina defendeu que o PSOL mantenha a candidatura de Guilherme Boulos ao governo de São Paulo, considerando que, pela sua reflexão, o quadro da disputa ainda está indefinido. “É da cultura do PSOL sempre ter posições próprias, então ter uma candidatura própria faz parte da cultura histórica do PSOL. O quadro ainda não está todo definido, as federações vão definir o mapa eleitoral. Se o quadro está indefinido, não tem porquê não bancar uma candidatura própria”, salientou Erundina. De acordo com reportagem do UOL, hoje, o PSOL já admite, internamente, abrir mão de ter Boulos na disputa majoritária em prol de um protagonismo na eleição estadual, seja ocupando a vaga de vice de Fernando Haddad (PT) ou uma candidatura ao Senado. A expectativa é que Boulos dispute uma vaga para deputado federal.
Em contrapartida, o PSOL receberia o apoio do PT na eleição para a prefeitura de São Paulo em 2024. Fontes políticas disseram ao UOL que os petistas já decidiram que não terão candidatos daqui a dois anos para o comando da capital paulista. Oficialmente, porém, o PSOL mantém o discurso de que nada mudou e que Boulos disputa o governo. Um dos convocados para coordenar a campanha de Lula, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que a chapa entre o petista e o ex-tucano está praticamente resolvida. “Nós não cogitamos outro nome ainda. Eu acho que a candidatura do governador Geraldo Alckmin como vice é algo praticamente resolvido. Não há debate alternativo. Acho que Lula deveria apresentar uma coalizão acha e eu acho que o Alckmin pode cumprir esse papel”. A “Folha de São Paulo” revelou que Lula irá adotar o discurso da necessidade de unificação para derrotar Jair Bolsonaro. Seria uma forma de justificar alianças com parlamentares que votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
A avaliação no entorno dos estrategistas de campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é de que o momento histórico é outro e que não é possível fazer política somente com os que foram contrários à destituição de Dilma Rousseff da presidência da República, uma vez que eles foram a minoria. Por mais que a composição envolvendo Lula e Geraldo Alckmin esteja fechadíssima e por mais relevantes que sejam as alegações invocadas por Lula para ampliar o leque de apoios à sua pré-candidatura, atraindo setores conservadores liberais, Erundina não deixa de estar certa ao cobrar, mais do que coerência, “compromissos políticos” por parte de Lula, que até aqui tem evitado aprofundar opiniões sobre questões candentes da conjuntura nacional. Erundina merece respeito pela sua trajetória e pela lúcida interpretação da realidade institucional do país.