Nonato Guedes
O favoritismo desencadeado em torno de uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial deste ano tem provocado manifestações de triunfalismo ou de “salto alto” junto a expoentes proeminentes e a segmentos da militância petista, sequiosos da volta ao poder, até como uma forma de revanche pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016, pela prisão do próprio Lula por 580 dias na Polícia Federal e pelo desgaste de imagem da legenda. Da parte de Lula, entretanto, a postura recomendada tem sido a da cautela em face dos rumos que a campanha pode tomar, com oscilações para mais ou para menos. O cenário ficou embolado com alguns dos últimos levantamentos prevendo acirramento de percentuais entre Lula e Bolsonaro, com suposto crescimento do atual mandatário.
Por mais que o favoritismo persista – e na região Nordeste essa situação é avassaladora, a ponto de, em Pernambuco, Lula disparar e vencer com folga pesquisas de intenção de voto – o pragmatismo leva o ex-presidente a alertar, como fez durante encontro com mulheres em Brasília, que a eleição não está ganha, inobstante sua dianteira nas pesquisas, e que é preciso fazer o maior número de alianças possíveis para conquistar a vitória e governar. “Não existe essa de já ganhou. Eleição a gente só sabe o resultado depois da apuração. Vamos ter que ter muitas habilidades de construir nossas alianças”, frisou o ex-presidente, escolado de campanhas memoráveis de que participou, ora em causa própria, ora apoiando candidaturas, em que projeções sumiram como nuvem e deram lugar a surpresas ou reviravoltas.
A diminuição da diferença entre Lula e Bolsonaro, naturalmente, intriga a cúpula petista e demanda avaliações de estratégias que possibilitem grau maior de segurança ou de tranquilidade para a campanha do líder petista. O Partido dos Trabalhadores, segundo se apurou, chegou a iniciar um movimento pela vitória em primeiro turno, mas foi desautorizado pelo próprio Lula nessa articulação sob o argumento de que deve haver mais sobriedade na análise e na própria condução da campanha eleitoral. O ex-presidente, conforme uma fonte ouvida pela Reuters, tem advertido que a campanha não vai ser fácil e que o uso da máquina por Bolsonaro, com novos programas e distribuição de recursos, poderá ter peso até outubro. O atual presidente tem sido aconselhado por interlocutores a esgotar ao máximo o estoque “populista” de que dispõe para reverter situações de desvantagem em que se encontra.
A contra-ofensiva palaciana é relativa porque já estão configurados casos em que a rejeição do governo e da própria figura do presidente atingiu um estágio que não tem mais volta. Bolsonaro demorou muito a avançar na formulação de estratégia de pré-campanha, certamente confiante no peso da máquina que administra. Acabou subestimando ou simplesmente ignorando erros cometidos pela sua gestão que já vinham causando estragos na imagem, inclusive no tocante à aceleração da campanha de vacinação contra a covid-19, que causaram desinformação e insegurança junto à sociedade como um todo. Entre apoiadores de Bolsonaro, enquanto isso, pipocaram dúvidas sobre seu desejo concreto de postular a reeleição, diante de palavras ao vento que ele tem dirigido, admitindo “não ver a hora” de passar o bastão.
Na sua fala às mulheres, o ex-presidente Lula defendeu as alianças criticadas por setores mais à esquerda do partido e dos movimentos sociais, a exemplo da que está articulando com o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que foi do PSDB e deverá ser o seu vice-presidente. “Temos que ter a habilidade de construir alianças. Se eu não conversar com quem votou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, vou ficar sem falar com ao menos 400 deputados. Se ganhar, precisaremos ter maioria no Congresso, na Câmara, no Senado, ou, do contrário, como vamos reconstruir este país?”, indagou. Em breve, Lula deverá voltar a viajar pelo país. Com a pandemia de coronavírus, o ex-presidente tem evitado até agora eventos públicos, mas quer voltar a fazê-los. O interesse de Lula é o de sentir concretamente o sentimento expresso pela voz rouca das ruas, a fim de basear melhor a própria estratégia que pretende montar para a volta ao Planalto. Lula faz uma campanha com os pés no chão, daí abominar os excessos de triunfalismo que vez por outra se manifestam.