Nonato Guedes
Há uma discussão ociosa agitando os meios políticos na conjuntura nacional: afinal, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que assina hoje ficha de filiação ao PSB, é ou não socialista? É evidente que não. Alckmin é um político de centro-direita, remanescente dos quadros do Partido da Social Democracia Brasileira-PSDB, que na juventude recebeu formação cristã da prelazia católica Opus Dei, conforme registrado pela revista “Época”. A controvérsia que é travada tem a ver com a polarização ideológica que envolve a próxima disputa ao Palácio do Planalto. Alckmin está ingressando no PSB, ao que se sabe, com a condição de vir a ser candidato a vice-presidente na chapa encabeçada pelo líder petista Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República. E Lula sempre foi considerado um quadro de esquerda, embora nunca tenha assumido ser comunista.
A escolha de Alckmin para vice de Lula faz parte de uma estratégia do pré-candidato petista para viabilizar uma coalizão ampla que favoreça sua vitória e, na sequência, lhe ofereça instrumentos de governabilidade, evitando, assim, que um eventual terceiro governo de Lula seja fadado ao fracasso por ficar refém de grupos fisiológicos e conservadores que dominam, atualmente, o cenário do Congresso Nacional. Aliás, em análise no UOL sobre a suposta indicação do general Braga Netto como vice de Jair Bolsonaro e a escolha de Alckmin para vice de Lula, Josias de Souza pontua que nenhum deles renderá votos aos cabeças de chapa. “A escolha dos dois revela a preocupação dos líderes nas pesquisas não com as urnas de 2022, mas com o futuro Congresso”, acrescenta Josias de Souza.
E a palavra ainda é dele: “O que inquieta Lula e Bolsonaro é o Centrão. Bolsonaro tem pavor do impeachment. E faz questão de alardear os seus temores, tanto que já falou: “Tenho que ter um vice que não tenha ambições de assumir a minha cadeira ao longo de um mandato”. Lula olha para o futuro com a perturbação de quem vive a síndrome da volta ao passado. Receia cair novamente no colo de um Congresso dominado pelo grupo que apoiou os governos do PT em troca de mensalões e petrolões. Com Alckmin na vice, sonha em escorar um eventual futuro governo numa coalizão mais ampla. De toda essa movimentação, só uma coisa é certa: alimentado por um fundão eleitoral que roça os R$ 5 bilhões e por mais de R$ 30 bilhões em emendas orçamentárias, parte delas distribuídas secretamente, o Centrão continuará dando as cartas no Congresso. O futuro presidente, seja quem for, terá dificuldades para se livrar das armadilhas do grupo”.
No caso específico do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva, ele reedita movimentos que lá atrás o fizeram colocar como seu vice, em dois mandatos, um empresário confiável ao mercado: José Alencar, com influência a partir de Minas Gerais, que se notabilizou no poder pela cantilena sistemática contra as taxas de juros cobradas e pela dificuldade do governo a que servia de controlar tais abusos e pacificar os ânimos do mercado. Lula optou por uma aliança com o empresário José Alencar por intuição política, numa época em que sua candidatura à presidência enfrentava restrições dos agentes do capital nacional e em que o perfil do candidato petista ainda soava como radical para setores médios da sociedade. Lula foi demonizado como suposta ameaça à estabilidade institucional, e o empresário Mário Amato, um dos expoentes da Fiesp, prognosticou fuga em massa de representantes do capital provado se o ex-metalúrgico ascendesse ao poder.
Desde a experiência inicial na corrida pelo Palácio do Planalto, Lula passou a se preocupar com táticas de neutralização de três segmentos que poderiam, de algum modo, pôr em risco a estabilidade democrática: os radicais das Forças Armadas, os expoentes do capital privado e, ultimamente, com mais frequência, políticos fisiológicos ou conservadores que cobram alto preço para votar matérias do governo que são do interesse público. Ainda nos últimos dias chegou a se manifestar contra o Congresso, caracterizando-o como “o pior da história política recente do Brasil”, aludindo a reformas urgentes que não teriam sido processadas e, em paralelo, a retrocessos que minorias influentes tentam fazer valer, apelando para o corporativismo da instituição parlamentar, o chamado “espírito de corpo”. Atento a esses cenários é que Lula defende que o meio de campo de um eventual terceiro governo seu seja feito por um político experiente e moderado, com livre trânsito entre segmentos variados do espectro social.
O ex-governador Geraldo Alckmin, na definição de interlocutores do ex-presidente Lula, enquadra-se à perfeição no modelo de vice que ele procura para empalmar uma nova e imprevisível campanha para voltar ao Palácio do Planalto. O ex-tucano é considerado um excelente negociador político e elogiado pelas credenciais no diálogo com os contrários. Lula já deixou claro que é salutar, democraticamente, que visões distintas de atuação do poder público sejam compartilhadas na gestão, abrindo janelas e oportunidades para a incorporação de temas que, por alguma razão, não sejam prioritários na sua própria agenda. Há, também, a questão da confiança que, pelo que tem demonstrado, Lula nutre em relação a Alckmin. A chapa que está sendo montada faz parte, em última análise, do que Lula chama de “grande concertação nacional, indispensável para garantir a democracia e os avanços conquistados pela sociedade”. Nesse projeto Lula investe todas as energias, gostem ou não os petistas ou liderados mais ortodoxos que o acompanham na nova jornada pelo poder.