Nonato Guedes
Numa empreitada que é considerada arriscada pelos próprios aliados, embora avaliada como irreversível, o governador de São Paulo, João Doria ((PSDB) prepara-se para deixar o Executivo no próximo final de semana a fim de concorrer à presidência da República. Sem decolar nas pesquisas de intenção de voto nem sensibilizar segmentos políticos ou do eleitorado para a bandeira de representante da “terceira via”, o gestor paulista aproveita os últimos dias de mandato para entregar projetos e deve começar a viajar pelo país na tentativa de diminuir sua rejeição. O plano é viajar ao máximo para apresentá-lo a uma fatia expressiva de eleitores que não o conhece e o primeiro local será o Nordeste, onde esteve em outubro e não causou boa impressão devido a gafes que cometeu na Paraíba.
Na cidade de Guarabira, no brejo paraibano, João Doria provocou risos depois de questionar, na Câmara Municipal, “quem aqui já foi a Dubai?”. Seus interlocutores, conforme o UOL, defendem que momentos como este, ou nos discursos mais exaltados e exagerados, dos quais é adepto, mostram espontaneidade de Doria, mas sabem que isso nem sempre é encarado dessa forma. Para os mais próximos ao governador, ao viajar pelo país, Doria poderia alinhar melhor o discurso entre as lideranças nacionais, com as quais larga atrasado se comparados os apoios locais prometidos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com pesquisas, 20% dos brasileiros não conhecem João Doria o 31% o conhecem “só de ouvir falar”.
Doria, que no primeiro fim de semana de abril deverá ir a Brasília para reuniões com diretórios nacionais do MDB e do União Brasil, de lá seguindo para a Bahia, venceu as prévias internas realizadas pelo PSDB, nacionalmente, para indicação do candidato ao Palácio do Planalto, derrotando o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Entretanto, não conseguiu capitalizar a unidade interna com o resultado das prévias. Houve contestações sobre lisura dos votos e insinuações de uso da máquina por parte de Doria, com instrumentos de pressão sobre convencionais e delegados do PSDB. O próprio governador Eduardo Leite não demonstrou sinais de acatamento da votação no ninho tucano e nem assumiu sinais de engajamento na pré-campanha de Doria para viabilizar apoios de outras legendas ao seu projeto. O PSDB está despedaçado internamente e é recorrente, nas suas fileiras, a ideia de federar-se com outros partidos para sobreviver nas próximas eleições.
Apesar de tudo, o governador de São Paulo parecia encarnar o perfil de um nome talhado para representar a chamada “terceira via”. Chegou a ser rotulado de “pai da vacina”, pelo êxito alcançado em São Paulo, através do Instituto Butantan, com a pesquisa e produção conjunta de imunizantes contra a covid-19 justamente no momento mais dramático da situação de calamidade que todo o Brasil enfrentou, em meio ao negacionismo explícito patrocinado pelo presidente Jair Bolsonaro, o que atrapalhou, em certa medida, um plano nacional de sucesso. A façanha de Doria diluiu-se depois em meio aos avanços obtidos na campanha de vacinação em massa, o que coloca o Brasil, hoje, numa posição menos traumática em relação à doença. Mas o seu “descolamento” da imagem de Bolsonaro, com quem fez dobradinha em 2018, foi parcialmente assegurado, até em virtude de polêmicas que ele sustentou com o presidente da República tendo como pano de fundo as medidas de restrição social durante a pandemia.
No círculo de João Doria há quem afirme que, pessoalmente, ele consegue convencer mais do que sua imagem “quadrada” de paulistano, mas apoiadores não deixam de se preocupar com possíveis gafes e com a língua afiada do governador. Com a melhoria da pandemia, Doria tem focado na economia. Parte do argumento de que, enquanto o país enfrenta recesso econômico e o real está valorizado, São Paulo tem experimentado índices satisfatórios de crescimento do Produto Interno Bruto e o seu governo tenta focar no perfil de governo-empreendedor. É um modelo de gestão que ele gostaria de transplantar para o Brasil e que causa controvérsia natural. Por mais que feitos administrativos venham a ser creditados à sua assinatura, a impressão dominante nos meios políticos é que Doria perdeu o bonde da sucessão presidencial. A polarização entre Lula e Bolsonaro continua no radar político nacional, inibindo movimentos de outros atores de expressão da cena política e provocando desistências.