Nonato Guedes
“Caciques” do MDB, também chamados de líderes históricos do partido, preparam uma ofensiva para inviabilizar a candidatura própria da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República, sob o argumento de que ela não decola nas pesquisas de intenção de voto e que sua permanência no páreo afeta candidaturas majoritárias e proporcionais que estão lançadas nos Estados. Na prática, a conspiração que visa a “fritar” Tebet parte de aliados e eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, interessados em se compor com ele já no primeiro turno. Lembrando que o MDB tem 600 convencionados, o senador Renan Calheiros (AL) afirmou que todos os diretórios do Nordeste e muitos dos Estados do Norte estão com os “caciques”, o que garante maioria para rejeitar a pré-candidatura de Tebet.
O ex-presidente José Sarney e outras figuras de expressão do MDB estiveram, ontem, com o ex-presidente Lula em Brasília. A candidatura de Simone, filha de um militante histórico do MDB, o ex-senador Ramez Tebet, já falecido, foi lançada em dezembro passado. Ela teve uma atuação destacada este ano na CPI da Pandemia e foi convidada pela direção, presidida por Baleia Rossi (SP), a liderar um projeto de renovação, tendo aceito o desafio, mesmo sabendo das dificuldades que teria para se viabilizar. As pesquisas demonstram que, passados quatro meses, o nome dela aparece com 1% ou 2% das intenções de voto. A traição contra Simone envolve o ex-presidente do Congresso, Renan Calheiros, o senador Jader Barbalho e os ex-senadores Eunício Oliveira e Romero Jucá, um time que deu as cartas na política nacional nas últimas três décadas e que ainda detém o controle de boa parte da máquina partidária. Para eles, candidatura própria é uma péssima ideia – informa a revista “Veja” em reportagem intitulada “A rebelião dos caciques”.
Na Paraíba, o senador Veneziano Vital do Rêgo, presidente do diretório estadual, que se lançou pré-candidato ao governo, é não apenas aliado mas interlocutor privilegiado junto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o tem consultado sobre temas polêmicos em discussão no Congresso Nacional, aproveitando a sua condição como primeiro vice-presidente do Senado. A repórter Laryssa Borges, de “Veja”, lembra que na ditadura militar o MDB serviu como trincheira de oposição no cenário político brasileiro. A partir de 1985, a sigla teve dois presidentes da República empossados – José Sarney e Michel Temer, que eram vices e assumiram em circunstâncias excepcionais. A legenda ainda partilhou o poder com outros cinco presidentes – Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. A sua força-motriz sempre esteve no Congresso. Por pura estratégia, o partido escolheu investir na eleição de deputados e senadores e consolidar grandes bancadas para depois negociar apoio parlamentar ao governo de plantão, ciclo que manteve o MDB na órbita mais próxima de todas as administrações federais desde a redemocratização.
Nos tempos áureos, informa ainda “Veja”, o MDB já teve mais de 100 deputados e um terço dos senadores, o que garantia à sigla um protagonismo absoluto, de tal sorte que praticamente nada prosperava no Congresso sem o aval dos emedebistas. Para garantir o mínimo de estabilidade política, governos eram levados a retribuir esse apoio com cargos importantes na administração federal e vultosas verbas do Orçamento público. A Operação Lava-Jato interrompeu esse ciclo. Lideranças da legenda foram apanhadas em casos flagrantes de corrupção. Algumas foram condenadas e presas, como o ex-ministro Geddel Vieira Lima, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral. Outras, como Renan Calheiros, Eunício Oliveira e Romero Jucá, responderam ou ainda respondem a processos criminais. Esse tsunami refletiu nas urnas. Em 2018, o partido lançou o ex-ministro Henrique Meirelles como candidato à presidência da República e foi um tremendo fracasso. Ele teve pouco mais de 1% dos votos. No Congresso, a legenda elegeu apenas 34 deputados, a menor bancada de sua história.
Para os “caciques”, até por uma questão de sobrevivência, é hora de retomar a antiga estratégia. O partido acredita que pode eleger, no mínimo, cinquenta deputados federais em outubro. Há, porém, alguns obstáculos que precisam ser superados, e o principal deles passa por Simone Tebet. Na avaliação da cúpula, é preciso concentrar os recursos disponíveis (300 milhões de reais do Fundo Partidário) nas campanhas parlamentares. Para o plano dar certo, também é necessário que o MDB se aproxime de quem está no poder ou de quem tenha a perspectiva de chegar lá. Sarney, Renan, Eunício e Jader defendem apoio imediato à candidatura de Lula, que atualmente lidera pesquisas de intenção de votos. Para que isso seja possível, a legenda tem que se afastar da chamada terceira via e, consequentemente, rifar a candidatura da senadora, que desde o início de sua pré-campanha prega a construção de uma alternativa à polarização. Segundo Simone, Bolsonaro é o pior presidente que o país já teve e Lula é um autocrata.
Os emedebistas têm pressa numa definição, ou seja, no abandono da tese da candidatura própria, com o consequente apoio irrestrito à candidatura de Lula. Membro da Executiva Nacional e um dos mandachuvas do partido, Renan Calheiros foi enfático nas declarações à “Veja”. Ele advertiu que o MDB não pode brincar de terceira via e apresentar um candidato sem competitividade. “Já vimos esse filme e pagamos um preço altíssimo por ele na última eleição. Nosso candidato em 2018, Henrique Meirelles, teve 1% dos votos e massacrou a bancada. O MDB teve suas bancadas reduzidas pela metade na Câmara e no Senado”. Renan sugere que a cúpula imponha o prazo do bom senso, até os primeiros dias de maio, para uma avaliação da viabilidade da candidatura de Simone. “Se crescer nas pesquisas, ótimo, mas dificilmente o MDB homologará a candidatura se ela ficar com 1% e teimar em concorrer”. Quem conhece o MDB sabe que tudo já está decidido e que o partido vai mesmo correr para Lula. Simone Tebet será a última a ser avisada da trama.