Nonato Guedes
Líderes do chamado Centrão, bloco de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso, aproveitam a crise criada com o perdão do mandatário ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), processado e ameaçado de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, para confrontar diretamente o Poder Judiciário. Segundo revelou o blog da Andréia Sadi no G1 o Centrão aposta em um projeto para anistiar aliados do presidente e diz ter votos para salvar o mandato de Silveira, que é acusado de apologia a atos antidemocráticos, bem como de ofensas a membros da Corte de Justiça como o ministro Alexandre de Moraes. Ao livrar Silveira da cassação, os aliados bolsonaristas desejam mandar ao STF o recado de que, na avaliação deles, a pena dada ao parlamentar foi exagerada.
Por trás de toda a orquestração há um empenho declarado do presidente da República em desmoralizar a Justiça, como represália por punições que têm sido aplicadas a integrantes da sua tropa de choque, em especial os que atuam em tribunas parlamentares e na ferrenha militância digital. Bolsonaro se esmera em tentar demonstrar que pode mais do que o Judiciário, com isto sinalizando para uma aventura arriscada de enfraquecimento das instituições representativas da política nacional. Em última análise, a estratégia é focada na anarquia institucionalizada e dela faz parte a campanha sistemática para desacreditar o voto eletrônico, uma das bandeiras empunhadas abertamente pelo chefe de Governo.
O projeto de lei em gestação tenciona anistiar apoiadores do presidente da República que são alvos de investigação por crimes de natureza política desde 2018. Se aprovado, o projeto deverá beneficiar investigados como o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e o blogueiro Allan dos Santos, ambos na mira do Supremo Tribunal Federal. Além do projeto de anistia, a base de Bolsonaro já avisou ao Planalto que, a dados atuais, teria votos suficientes para livrar Daniel Silveira da cassação do mandato. Além de condenado à prisão pelo STF, Silveira foi condenado à perda do mandato pelos ministros da Corte, mas a Câmara acionou o Supremo Tribunal Federal para que seja ela a dar a última palavra sobre os casos de cassação, como em outros casos.
A crise entre o governo e o Judiciário ganhou um novo capítulo nas últimas horas após o Ministério da Defesa reagir a uma fala do ministro Luís Roberto Barroso de que as Forças Armadas estariam orientadas a atacar o processo eleitoral vigente. O ministro, nos bastidores, conforme o blog de Sadi, se preocupa com as reiteradas investidas do presidente Bolsonaro ao sistema de segurança eleitoral, muitas vezes avalizados por militares que trabalham e apoiam o governo, como o ex-ministro da Defesa e futuro vice de Bolsonaro, Braga Netto. Paulo Sergio, atual comandante da Defesa, foi orientado a divulgar uma nota reagindo a Barroso e fez questão de enviar a resposta a alguns políticos para reforçar o seu posicionamento. Arthur Lira foi avisado por bolsonaristas de que existiria amplo apoio ao projeto da anistia e tem repetido que se houver adesão expressiva não terá como ficar contra a Casa e pautará o tema.
Ricardo Capelli, em sua coluna no site “Congresso em Foco”, adverte que Daniel Silveira está sendo massificado como instrumento do bolsonarismo para o ataque a outras instituições e o consequente processo de enfraquecimento, minando as bases do regime democrático em um ano eleitoral que já se revela bastante tumultuado por incidentes que estariam sendo provocados. “Pouco importa o debate jurídico e os desdobramentos que o caso terá. O objetivo político foi cumprido. Bolsonaro unificou e elevou o moral de sua tropa, reafirmando sua liderança”, diz Ricardo Capelli, insinuando que está em curso uma estratégia bem delineada e com duração irreversível. Para os bolsonaristas, o STF é um dos principais responsáveis por impedir o avanço da revolução prometida pelo capitão, mais um dos entulhos da redemocratização a ser removido.
Capelli conclui sua análise afirmando: “Na impossibilidade de caçar judeus, eles vão conduzindo a democracia para a câmara de gás. É impressionante que depois de quatro anos de governo e pendurado no Centrão, o presidente consiga manter intacta sua imagem de “cavaleiro antiestablishment”. Também impressiona, para o articulista, que a esquerda continue jogando como se estivesse numa partida convencional. “A disputa será no campo das rejeições. E para fazer a rejeição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subir, a extrema-direita sabe que necessita inflamar o país. Caminhamos para a eleição mais radicalizada da história. Com o fascismo operando com criptomoedas, a partir de fazendas de robôs na Ásia, o país será instado a se matar nas ruas”, arremata o colunista, acrescentando que, a esta altura, está em risco a própria realização das eleições deste ano, e é sobre isso que devem se debruçar os democratas comprometidos com a estabilidade institucional brasileira.