Nonato Guedes
Está previsto para hoje, em São Paulo, no Expo Center Norte, um evento que simboliza marcante reviravolta no cenário político brasileiro: o lançamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como pré-candidato para um terceiro mandato no Palácio do Planalto, tendo como vice o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ex-PSDB, atual PSB. A presença de Lula como candidato na eleição presidencial equivale a uma “ressureição” política do líder petista, que chegou a ficar preso por 580 dias na Polícia Federal em Curitiba, devido a sentenças acusatórias que o Supremo Tribunal Federal reformou e anulou. Lula assistiu, ainda, ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, bem como ao desgaste do PT, que ele fundou na década de 80 no ABC paulista. Além de renascer, Lula retomou espaços de liderança e hoje detém favoritismo em pesquisas para o pleito de outubro. A última delas, divulgada ontem, atribuiu-lhe 44% contra 31% de Jair Bolsonaro (PL), o atual mandatário.
A chapa Lula-Alckmin será lançada com 7 partidos em festa para militantes, com expectativa estimada de público de 4 mil pessoas e diversas caravanas de militantes. O efeito multiplicador do evento se dará pela transmissão, em tempo real, por redes sociais, e por alto-falantes que deverão ser montados em inúmeras localidades do território nacional. O pré-candidato a vice, Geraldo Alckmin, que está com covid-19, deverá participar por videoconferência, reafirmando o compromisso já externado de contribuir, com Lula, para a preservação democrática no Brasil. A bandeira da democracia foi o grande achado para o retorno triunfal do petista à cena política-institucional do país, superando o estigma de escândalos que mancharam governos do PT e a própria legenda, como o do mensalão e o do petrolão. Ao deixar a cadeia, Lula passou a trabalhar na concertação de uma grande aliança com laivos patrióticos, o que ensejou a formação, em torno da sua pré-candidatura, de palanques múltiplos nos Estados, divididos por adversários locais que convergem na ideia de apoiar o líder maior do Partido dos Trabalhadores.
Na Paraíba, por exemplo, três pré-candidaturas a governador estão fechadas com Lula: a do governador João Azevêdo (PSB), que postula a reeleição, a do senador Veneziano Vital do Rêgo, que se lança pelo MDB em aliança com o PT local e a da pré-candidata Adjany Simplício, do PSOL. O ex-presidente tem sido disputado constantemente na mídia, em especial, por dois postulantes que eram aliados até pouco tempo: o governador João Azevêdo e o senador Veneziano Vital. Em recentes declarações, deu a entender que tem simpatia por Veneziano, mas também mencionou Azevêdo e arrematou que deseja conversar com “todo mundo” na Paraíba. Em outros Estados, Lula recorre à habilidade ou jogo de cintura para acomodar forças políticas divergentes no seu palanque, dentro da máxima de que candidato não recusa votos nem apoios. No PT, o evento é visto como o grande ato de convocação da militância em prol da chapa.
A manifestação programada tem um outro efeiito: o de desmontar a orquestração desencadeada pelos bolsonaristas de que Lula está evitando eventos de rua pelo receio de vaias ou outros atos de hostilidade. Na verdade, alguns atos hostis já ocorreram, com confrontos entre lulistas e bolsonaristas. A preocupação do ex-presidente é com a sua própria segurança pessoal. A previsão é de que Lula abandone as reuniões fechadas, de gabinete, que tem patrocinado com lideranças políticas, e intensifique agendas com palanques, a céu aberto, expondo antigas bandeiras misturadas a pautas que têm sido incorporadas ao discurso, centradas no desenvolvimento justo e na retomada de postos de trabalho que ficaram perdidos durante a pandemia da covid-19. A vantagem persistente de Lula, na análise de alguns observadores, tem inflamado o golpismo do presidente Bolsonaro e seus apoiadores, de que são exemplo declarações colocando em xeque a lisura do sistema de urnas eletrônicas.
Lula, por sua vez, tem sido aconselhado por aliados políticos a fazer ajustes nos discursos para não ficar exposto a um possível cancelamento nas redes sociais ou entre fatias do eleitorado. A repercussão de algumas falas do ex-presidente, também em entrevistas, tem inquietado o núcleo duro, sob alegação de que gafes podem servir como arma desnecessária para opositores e afastar possíveis eleitores antes e durante a campanha à presidência da República. O núcleo de assessoramento tenta lembrar o ex-presidente da máxima da internet de que “o print é eterno” e que falas polêmicas podem ser tiradas de contexto. Um exemplo foi a citação de que o concorrente Jair Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policial”, o que repercutiu mal na internet e provocou inúmeros questionamentos.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem consciência de que está diante da grande chance de reabilitação em todos os aspectos – moral, político e eleitoral e de que ele é protagonista de um momento único na história institucional brasileira. A opção por Alckmin para vice é um movimento estratégico justamente calcado na necessidade de ampliar o leque de forças políticas apoiadoras de Lula, adicionando um verniz moderado, ideologicamente de centro, como forma de deletar o ranço de sectarismo que pautou a trajetória de Lula e do PT em algumas quadras importantes da política brasileira. A chamada “terceira via” dá seus últimos suspiros, enquanto Lula, inegavelmente motivado, parte célere para confrontar Bolsonaro e tentar obter confiança como alternativa legítima, na conjuntura presente, para reconstruir espaços destruídos e conquistas sepultadas na Era Bolsonaro.