Nonato Guedes
Tudo conspira contra a democracia neste ano de eleições diretas para presidente da República. Além das ameaças golpistas desencadeadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e apoiadores, que incluem orquestração para impedir uma virtual posse do líder petista Luiz Inácio Lula da Silva, caso seja vitorioso no pleito vindouro, parte, agora, do Congresso, uma ação que pode ser inserida no radar da marcha do retrocesso em andamento no país. O Senado, conforme revela a “Folha de São Paulo”, prepara-se para votar, após oito meses, o projeto do novo Código Eleitoral que, entre outros pontos, prevê censura a pesquisas eleitorais, fragiliza normas de transparência e fiscalização de políticos e partidos e dá ao Congresso Nacional o poder de cassar resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.
Há apenas uma negociação entre o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre, do União Brasil, para decidir se a proposta tramita na comissão ou se vai direto para votação no plenário. A expectativa é que o texto seja votado no plenário até o fim de junho. Eleito em fevereiro do ano passado, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de trabalho para consolidar toda a legislação eleitoral e estabelecer o código unificado, sob relatoria da aliada Margareth Coelho (PP-PI). Com a votação a toque de caixa, a intenção inicial dos deputados era que o código já estivesse em vigor para as eleições deste ano. Entretanto, os senadores se recusaram a analisar de forma apressada o texto, que contém 898 artigos. Silveira não quis se pronunciar sobre o relatório que irá apresentar.
Uma das dúvidas diz respeito às pesquisas eleitorais. De acordo com o projeto, os institutos deverão informar um percentual de acertos das pesquisas realizadas pela entidade ou empresa nas últimas cinco eleições. A divulgação dos resultados só poderá ocorrer até a antevéspera da disputa (sexta-feira). De acordo com parlamentares, esses pontos não se enquadrariam no princípio da anualidade, por não ser regra eleitoral, e poderiam valer após a sanção do texto. A advogada Natália Lima e Souza, que representa a Abep (Associação Brasileira de Empresa e Pesquisa), afirma que os pontos referentes às pesquisas eleitorais foram vistas como alterações que devem respeitar o princípio da anualidade. No entanto, a representante da associação manifesta preocupação com a possível votação no Senado neste ano, rompendo com essa lógica.
– É evidente que, se isso passar no Senado, não haverá chances de derrubar em prazo tão curto. Por isso há uma preocupação. Mesmo que a gente decida judicializar, uma ação discutindo a constitucionalidade não vai tramitar com a rapidez necessária para que haja decisão antes das eleições – afirma. Diretores de institutos de pesquisas criticam as mudanças propostas, enquanto especialistas em marketing eleitoral afirmam que a questão da proibição da pesquisa na véspera afeta o eleitor. A diretora do Datafolha pondera ainda sobre a incompatibilidade das duas possíveis regras, a exigência do “acerto” de uma pesquisa que estará proibida de captar a movimentação final dos eleitores. Por trás da orquestração, parece claro o propósito de confundir o eleitorado quanto ao direito legítimo que ele tem à informação sobre tendências e posições de candidatos no páreo eleitoral.
A relatora do projeto na Câmara defendeu, em artigo publicado na “Folha”, as alterações propostas nas pesquisas. Margarete Coelho pontuou: “A véspera da eleição é o momento decisivo para eleitores indecisos, que muitas vezes recorrem a pesquisas eleitorais para analisar tendências e considerar eventual voto útil. Mas se pesquisas podem ser determinantes para a escolha do eleitor, seus erros podem comprometer o processo eleitoral”, escreveu Margarete Coelho. O Congresso, relata a matéria da “Folha”, já tentou por várias vezes limitar a publicação de pesquisas eleitorais. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional projeto aprovado que proibia a divulgação dos levantamentos nos 15 dias que antecedessem o pleito. Antiga reclamação de parlamentares, as resoluções do TSE também são afetadas pelo projeto. Os deputados aprovaram texto segundo o qual, para valer nas eleições, essas resoluções terão que ser emitidas com antecedência mínima de um ano. O Congresso passa também a ter o poder de cassar resoluções do TSE.
Os deputados também aprovaram regras mais frouxas de fiscalização, transparência e punição de partidos e candidatos que façam mau uso das verbas públicas. Se a unidade técnica da Justiça Eleitoral não apontar erros em 180 dias após o protocolo, as contas serão consideradas aprovadas. “Da forma como foi aprovado pela Câmara, o projeto acaba com a transparência das prestações de contas e permite que o dinheiro público seja usado pelos partidos para qualquer tipo de despesa, como confraternizações e eventos sociais”, revela Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária. Além disso, alerta, o texto aprovado pela Câmara representaria um golpe na integridade dos partidos e na consolidação da democracia. “O projeto combinará aumento exorbitante dos recursos públicos destinados ao sistema partidário com um grande enfraquecimento da transparência e da fiscalização sobre o uso desse dinheiro”, arremata.
De golpe em golpe, de retrocesso em retrocesso, o Brasil caminha para mergulhar mais uma vez na trilha da ditadura, se a sociedade não se mobilizar para deter essa balbúrdia, componente da marcha da insensatez que está deflagrada nestes trópicos.