Nonato Guedes
O cenário político paraibano ficou empobrecido com a morte, em Campina Grande, aos 92 anos, do ex-senador Ivandro Cunha Lima, espécie de “condestável” do “clã” que se mantém em evidência na conjuntura estadual e figura de livre trânsito nas diferentes correntes partidárias que têm se digladiado ao longo de, pelo menos, meio século de história. Ivandro era um conciliador político nato e um político coerente. Em nome dessa coerência, acompanhou os passos do grupo a que era ligado, não se omitindo em momentos cruciais que provocaram divisor de águas na cena local. Ao ingressar na vida pública, optou por militar no MDB, depois no seu sucedâneo, o PMDB, perfilando com os ideais democráticos que agitaram a trajetória dessas agremiações.
A militância política começou no movimento estudantil, como era comum a inúmeros líderes políticos que se forjaram nesses embates como espécie de estágio probatório para o exercício da vida pública propriamente dita. Presidente do Centro Estudantil Campinense, credenciou-se em 1974 a integrar a chapa encabeçada pelo senador Ruy Carneiro na condição de suplente em disputa à Alta Casa do Congresso Nacional. Assumiu a titularidade do mandato em 1977, com o falecimento de Ruy, a legenda que cunhou a máxima de que “Forte é o Povo” e, embalado no axioma, reforçou a sua liderança junto às camadas mais pobres do eleitorado paraibano. Por coerência, Ivandro recusou cargo na Mesa Diretora, fiel aos mandatos do MDB contrários ao assento de “biônicos” no colegiado congressual. Em outra oportunidade foi confirmado como primeiro-secretário. E, como deputado federal, licenciou-se do mandato para assumir, a convite, a chefia da Casa Civil do governo do irmão, o poeta Ronaldo Cunha Lima, eleito em 1990 em segundo turno, em campanha memorável.
Tabelião de prestigioso cartório na Rainha da Borborema, Ivandro Cunha Lima chegou a pontificar nos quadros do BNDES, sempre cumprindo missões que lhe eram delegadas. Ele se impôs nos quadros de poder, dentro e fora do Estado, justamente pela competência e pela capacidade de se desincumbir à altura dos desafios que lhe foram delegados. Esse perfil ganhou dimensão graças à lhaneza do ex-senador Ivandro Cunha Lima no trato e nas relações interpessoais, o que lhe deu a fama de conciliador. Tal papel ficou bastante claro em embates que foram empalmados a céu aberto por integrantes do “clã” Cunha Lima, liderados pelo ex-governador Ronaldo Cunha Lima, que, então, se afirmara como expressão maior do agrupamento.
Nos embates internos travados dentro do antigo PMDB, em que Ronaldo confrontou abertamente a liderança do então governador José Maranhão, na candidatura deste à reeleição que passou a vigorar para os Executivos Estaduais no pleito de 1998, Ivandro foi cortejado para atuar como algodão entre cristais nos impasses que beiravam flagrantemente a radicalização. Maranhão, além da confiança, tinha respeito e admiração por Ivandro, e numa das rodadas de solução que foram engendradas, chegou a colocar o nome dele na mesa para compor chapa majoritária, indicando que, através de Ivandro, poderia haver um princípio de entendimento. Ivandro foi sensível a essa abordagem mas deixou claro que já havia tomado posição irreversível, sintonizado com o grupo em que militava. A esta altura, Ronaldo estava empenhado em viabilizar a candidatura do filho Cássio Cunha Lima ao governo, como corolário da ascensão que este vinha alcançando no cenário de poder do Estado.
Malgrado as inúmeras tratativas que foram ensaiadas, com o reforço de outros agentes políticos influentes sinceramente interessados na preservação da unidade, a cisão nas hostes peemedebistas adquirira proporções tais que não havia espaço para conciliação. O destino reservado aos protagonistas daquele processo foi mesmo a prova dos noves em convenções partidárias realizadas sob o timbre da emulação acirrada. Maranhão ganhou a parada pelo controle do PMDB e Ronaldo acabou migrando para o PSDB juntamente com Cássio e com outros aliados. O que tinha de ser tinha muito força e a ruptura despontava no horizonte, acenando com a perspectiva de uma reconfiguração do quadro político-partidário paraibano, o que perdurou até os últimos anos. Maranhão confessou-me, certa vez, passada a refrega dos conflitos internos, que em nada modificara sua opinião sobre a figura de Ivandro Cunha Lima. Era a demonstração eloquente de respeito e admiração por Ivandro, personagem singular que marcou a história política da Paraíba.