Nonato Guedes
Nas eleições de 2018, havia a expectativa natural, nos meios políticos, de que o então governador Ricardo Coutinho seria candidato ao Senado, com chances indiscutíveis de vitória. Estavam em jogo duas vagas e Coutinho era bem avaliado em termos administrativos, o que, teoricamente, lhe tornava detentor presumido de uma cadeira na Alta Casa do Congresso Nacional. Surpreendendo a todos – aliados e adversários – Ricardo optou por permanecer à frente do Palácio da Redenção até o último dia de mandato. Alegava não ter ambição em relação ao Senado, além de precisar concluir metas de governo que havia abraçado. Ao mesmo tempo, priorizava fazer valer a continuidade do seu ciclo ou da Era que havia inaugurado no Estado, avaliando que isto exigia empenho para eleger o sucessor “in pectoris” que ungira, seu secretário João Azevêdo.
Havia, por trás da decisão de Ricardo de não disputar, outro objetivo que se tornara obsessão e que ele perseguia obstinadamente: contribuir para derrotar nas urnas o então senador Cássio Cunha Lima (PSDB), que pleiteava recondução ao Legislativo e despontava, em princípio, como favorito no páreo. Na época filiado ao PSB, o ex-governador, que hoje milita novamente nos quadros do PT, havia protagonizado uma única aliança estratégica com Cunha Lima: em 2010, para chegar ao governo, derrotando José Maranhão (MDB) que partia em busca do quarto mandato. Já em 2014, Cássio confrontou Ricardo, diretamente, ao governo estadual, ambos duelando no segundo turno. 2018, no cálculo político de Coutinho, significaria o “tiro de misericórdia” nas pretensões de poder e de espaço político de Cássio, e foi assim que ele renegou os apelos para assumir uma candidatura e ficou no governo. Investiu, então, na candidatura do deputado federal Luiz Couto (PT), que avançou bastante, ficando em terceiro lugar, na frente de Cássio, inapelavelmente derrotado nas urnas.
As duas vagas ao Senado em 2018 caíram no colo de Veneziano Vital do Rêgo, então PSB, apoiado por Ricardo Coutinho, e de Daniella Ribeiro, que era filiada ao PP e fizera dobradinha com Cássio Cunha Lima, embora, no curso da campanha, tenha se descolado da parceria, logrando ascender como primeira mulher senadora na história política paraibana. João Azevêdo foi eleito em primeiro turno, e o que se sucedeu de lá para cá é do conhecimento de toda a Paraíba, com o rompimento político consumado entre o atual gestor e o antecessor, e com a eclosão bombástica da Operação Calvário, sobre desvio de recursos na área da Saúde e da Educação, tendo Ricardo Coutinho como personagem citado. O ex-governador passou a colecionar, também, o carimbo da inelegibilidade, depois de condenado pelo TSE em 2020 por abuso de poder econômico na eleição de 2014. Essa condenação se estende até novembro deste ano e Ricardo esforça-se para obter uma liminar que garanta o registro de candidatura a senador, tendo protocolado recurso junto ao Supremo Tribunal Federal.
Em paralelo, Coutinho vê-se às voltas com o julgamento de feitos remanescentes da Operação Calvário em suas fases distintas, sempre agindo para reverter adversidades e ora vencendo, ora perdendo causas. Ainda agora, o ministro Gilmar Mendes, relator da Calvário no STF, determinou que a ação remanescente da fase 7 da Calvário seja remetida para julgamento pela Justiça Eleitoral, o que, aparentemente, favorece o ex-governador Ricardo Coutinho na sua cruzada para ganhar tempo e condições de defesa, rumo à conquista da elegibilidade. O despacho de Gilmar, vale reiterar, foi contra decisão recente do Tribunal Regional Eleitoral, que rejeitou competência sua para apreciar a demanda, e também contradiz manifestação da Procuradoria-Geral da República, que opinou pela competência do Tribunal de Justiça da Paraíba para julgar a ação. Há muita controvérsia cercando esses posicionamentos, mas é inelutável a convicção de que Ricardo aposta em brechas para levar adiante sua própria cruzada.
Abstraindo o teor das decisões judiciais e a exegese que se faça sobre o seu conteúdo ou sobre o mérito de valor que representem, há duas constatações que envolvem a trajetória política do ex-governador Ricardo Coutinho. A primeira é a de que a ambição pelo Senado entrou definitivamente no seu radar, em meio a versões especulativas de que o ex-comandante dos “girassóis” estaria em busca de salvaguarda legal via imunidade parlamentar para a hipótese de desdobramentos imprevisíveis da Operação Calvário. A outra constatação é de que Ricardo, não obstante manter liderança residual junto a parcelas do eleitorado paraibano, sobretudo na faixa de esquerda, enfrenta, no reverso da medalha, uma considerável rejeição por ter decepcionado segmentos que enxergaram nele um quadro de valor e de renovação no cenário político local. Nem por isso, ele deixa de se manter em evidência. O meridiano da sucessão na Paraíba em 2022 passará por Ricardo Coutinho – contra ou a favor dele, dependendo de como as tensões evoluírem e as composições prosperarem. Em 2020 ele tentou novamente voltar à prefeitura de João Pessoa mas se deu mal. Persistente, agora cava a reabilitação pelo Senado. É uma batalha imprevisível e deixa em aberto a corrida majoritária legislativa no Estado.