Nonato Guedes
Em declarações à rádio Metrópole, de Salvador, na última sexta-feira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assegurou que, caso seja eleito este ano, não deve disputar um novo mandato em 2026. Textualmente ele enfatizou: “Daqui a quatro anos a gente vai ter gente nova disputando as eleições. Quero deixar o país preparado. Não vou ser o presidente da República que está pensando na sua reeleição. Vou ser o presidente que vou estar pensando em governar este país por quatro anos. E deixar ele tinindo, tinindo”. Em seguida, Lula afirmou que em dezembro de 2026 vai entregar o mandato para outra pessoa. Trata-se de uma promessa factível, levando-se em conta o fator idade e a própria jornada incessante de Lula na vida pública, mas ainda causa dúvidas na classe política, principalmente entre adversários dele.
As dúvidas a respeito decorrem do fato de que Lula, uma vez eleito presidente pela primeira vez, em 2002, depois de várias tentativas, se investiu na cadeira do Palácio do Planalto já cogitando a recondução ao cargo. O estilo personalista do líder petista conspirava para tanto mas, em particular, havia a ambição do próprio Lula em prolongar sua permanência pelo poder como se dentro do PT apenas ele fosse talhado para pleitear a suprema magistratura da Nação. Já em 2006 Lula se impôs naturalmente a um novo mandato e há registro de depoimentos históricos de que ele nunca manifestou interesse em promover renovação de quadros, pelo menos na disputa à presidência da República. Em 2010, Lula optou por Dilma Rousseff porque não podia enfeixar um terceiro mandato consecutivo, mas em 2014 chegou a se movimentar para bloquear a candidatura dela à reeleição, oferecendo-se como alternativa. Dilma bateu o pé e se consolidou, ainda que tenha sido um desastre na segunda vez, tornando-se alvo de processo de impeachment.
O instituto da reeleição prevaleceu na conjuntura política brasileira pós-ditadura militar a partir de 1998, patrocinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o apoio de maioria expressiva do Congresso Nacional. FHC foi acusado, inclusive, de comprar apoios políticos no Parlamento para viabilizar a causa da reeleição – acusação alimentada por figuras radicais do próprio Partido dos Trabalhadores que, em princípio, torciam o nariz para a inovação adotada no processo eleitoral brasileiro. Lula e o PT não tiveram pejo, porém, em lançar mão da reeleição quando constataram que poderiam dele se beneficiar, sentimento que se estendeu a governadores e prefeitos de Capitais eleitos pela sigla. O pretexto que embasou um segundo mandato sempre foi o do plebiscito de gestão, invocado ora por Fernando Henrique, ora por Lula, com a alegação de que quatro anos seriam insuficientes para o cumprimento de metas anunciadas a céu aberto, na praça pública.
Não há nenhum mal no fato do ex-presidente Lula aspirar a uma nova reeleição em caso de vitória no pleito deste ano, exceto uma questão de ordem ética, que seria um eventual desinteresse em abrir espaço para outras lideranças, igualmente capazes de contribuir com soluções para o crescimento do País. Lula, que é um animal político por excelência, sabe que a renovação é inexorável e que a longevidade no poder, muitas vezes, custa caro para políticos messiânicos como ele. Um exemplo de que há espaço para outros petistas que não Lula foi a vitória, com reeleição, de Dilma. Mais recentemente, em 2018, Fernando Haddad teve uma performance surpreendente no papel de candidato-substituto de Lula, avançando para o segundo turno contra Jair Bolsonaro, que capitalizou nas urnas o desgaste do PT em meio a escândalos e denúncias e à própria prisão do líder maior na Polícia Federal em Curitiba.
Quando deixou a carceragem da PF no Paraná, após anulação de processos movidos contra ele, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva traçou uma estratégia centrada no seu retorno ao poder, como coroamento da sua reabilitação política e moral. Nesse afã, Lula cuidou de deflagrar uma “concertação” que tem atraído verdadeira Arca de Noé em torno do seu nome e da sua campanha, refletida na variedade de partidos e no antagonismo entre líderes políticos que o apoiam nos diferentes Estados. Nesta campanha, Lula não se preocupa em aprofundar propostas, talvez porque não tenha grandes novidades a oferecer ao eleitorado que aposta fichas na sua candidatura. Ele procura se fazer símbolo de uma ideia – a da defesa da democracia, em contraponto aos ímpetos reconhecidamente autoritários do presidente Jair Bolsonaro e do governo que ele comanda. Diante do objetivo maior a ser conquistado, Lula não tem razão para estar discutindo hipótese de reeleição, o que não significa que venha a abrir mão de um novo mandato se o figurino correr conforme o planejado. A conferir!