Nonato Guedes
Desafiando notórias resistências que ainda enfrenta no âmbito do Partido dos Trabalhadores, o ex-tucano e ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin vem logrando se segurar como candidato a vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido confirmado, ontem, pelos socialistas, depois de já ter sido referendado pelo PT nacional. Junto a Lula, Alckmin está prestigiadíssimo. Uma das vozes opositoras é a ex-presidente Dilma Rousseff, que tem procurado advertir para a falta de afinidades históricas dele com a legenda e com as forças de esquerda, ao mesmo tempo em que alerta ser Alckmin da confiança do chamado establishment conservador. A opinião de Dilma, ainda que não seja isolada, é pouco levada em conta pelo próprio Lula e pela alta cúpula do PT, chefiada pela deputada Gleisi Hoffmann, que oficialmente já entronizaram o “chuchu” no cardápio da esquerda.
De resto, Lula centraliza as grandes decisões referentes à sua sorte que está em jogo num momento particularmente favorável, para ele, na conjuntura institucional brasileira, após ter conseguido anular sentenças condenatórias na esfera do Supremo Tribunal Federal, referentes a processos que estavam pendentes. O ex-presidente da República sempre fala publicamente que confia em Alckmin, e, como nota o portal “Poder360”, ambos têm se dado bem como companheiros de chapa e demonstrado entrosamento nos bastidores. Lula tem dito que é necessário “juntar os divergentes para derrotar os antagônicos”. A frase significaria, em outras palavras, que a oposição de ambos a Bolsonaro é maior que suas divergências políticas. Lula tem feito concessões em nome da ambição de voltar ao poder, de que é exemplo o diálogo reatado por ele com políticos do MDB que são tratados dentro do PT como golpistas por terem votado pelo impeachment de Dilma Rousseff.
A aliança, tal como identificam os analistas políticos, foi o principal movimento de Lula para tentar expandir seus apoios além da esquerda. Alckmin, pelo histórico conservador, tem boa interlocução com setores que o PT tem dificuldade para alcançar, a exemplo do agronegócio. O ex-governador abandonou as fileiras do PSDB em 2021 depois de 33 anos filiado à sigla. Foi uma das principais caras da polarização política entre tucanos e petistas, que perdurou de 1994 a 2018. Em março de 2022, se juntou ao PSB, numa articulação que já fazia parte da estratégia para vir a ser o vice de Lula. O partido ainda é o principal aliado do PT nas eleições nacionais, a despeito de brigas acirradas em alguns Estados por causa de disputas regionais. “Na prática, a escolha de Alckmin como vice de Lula pode ser avaliada como a maior guinada à direita da história do PT”, informa o “Poder360”.
Mas, verdade seja dita, Alckmin tem feito sua parte com vistas a, finalmente, ser admitido e entronizado no âmbito do PT e no campo da esquerda como um aliado importante. Uma das principais demonstrações dele para ganhar a confiança dos petistas deu-se a 7 de maio no lançamento da chapa, quando jurou lealdade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enfatizando: “Nada servirá de razão, desculpa ou pretexto para que eu deixe de defender com toda a minha convicção a volta de Lula à presidência do Brasil”. Em 2006, Lula e Alckmin protagonizaram um debate tenso na televisão. O petista tentava a reeleição e Alckmin, então no PSDB, foi seu adversário. Ambos chegaram ao segundo turno, quando Lula foi o vitorioso. O debate na TV Bandeirantes antes do segundo turno teve uma série de trocas de acusações entre eles.
Alckmin focava no chamado “escândalo do dossiê”, quando petistas foram pegos com dinheiro de origem desconhecida para comprar um suposto dossiê contra José Serra, à época correligionário de Alckmin e candidato a governador de São Paulo. Lula respondeu que o caso deveria ser investigado. Nas eleições de 2018, Lula estava preso – quem disputou a Presidência da República pelo PT foi Fernando Haddad. Isso não impediu que o ex-presidente fosse tema recorrente das propagandas de Alckmin na TV. Em 2017, quando assumiu a presidência do PSDB, Alckmin disse que Lula havia quebrado o Brasil e que queria voltar “à cena do crime” – a Presidência da República. Tudo isso é passado, claro, apesar da urticária que provoca nos setores mais radicais do PT e da esquerda. Lula tem assegurado que Alckmin não terá papel secundário em seu governo – e a expectativa é de que o vice seja protagonista na ponte com empresários e mercado financeiro. Isso ainda não se tornou realidade. Mas há muito chão pela frente, é claro.