Nonato Guedes
Na opinião do cientista político Antônio Lavareda, do Ipespe, quatro anos depois das eleições presidenciais que foram impulsionadas pela Operação Lava Jato e projetaram a chegada de um outsider – Jair Bolsonaro – ao Palácio do Planalto, as pesquisas mostram o retorno do “voto econômico” como influenciador na disputa polarizada entre o ex-capitão, que tenta a reeleição pelo Partido Liberal, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que luta para recolocar o PT no poder. O favoritismo, atualmente, é de Lula, e problemas relacionados ao bem-estar financeiro, como inflação, miséria e desemprego, concentram-se no topo das preocupações do eleitor. Esse cenário tem dificultado a tentativa de Bolsonaro de obter um segundo mandato, enquanto Lula é reconhecido por ter alcançado bons resultados econômicos no seu governo, além de estar comprometido com a defesa da democracia.
Lavareda assinala que a eleição de 2018 foi, no jargão da ciência política, uma “eleição crítica”, ou seja, fora da curva, o que abriu espaço para o candidato radical Jair Bolsonaro romper a antiga polarização que vinha se reproduzindo entre o PT e o PSDB. Ele prossegue: “Havia crise econômica, polarização ideológica e um fato super importante: a Lava Jato. A operação decidiu o “mood” (o humor) daquela eleição. Abriu as portas para a chegada do outsider, o que ocorreu na eleição de Jair Bolsonaro à Presidência mas também na eleição do Congresso Nacional, em que o PSL, partido até então nanico, pelo qual Bolsonaro foi vitorioso, fez uma enorme bancada”. Sobre os problemas econômicos atuais, Lavareda ressalta que não é por acaso que o atual mandatário tem adotado uma série de medidas para tentar minimizar a dificuldade econômica da população, como baixar impostos e elevar benefícios sociais.
A primeira medida já permitiu reduzir o preço da gasolina. Já o Auxílio Brasil maior (de R$ 400 para R$ 600), a ampliação do vale gás para famílias pobres e o novo auxílio de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos começam a ser pagos em agosto. Tais acenos compõem o chamado “pacote de bondades” com que Bolsonaro procura melhorar a sua imagem e manter expectativas triunfalistas no seu círculo de apoiadores, por ele denominado de “exército”. Pesquisa do Ipespe realizada em maio deste ano perguntou aos entrevistados qual tema consideravam mais importante para ser tratado pelo próximo presidente no início do governo. A inflação ficou no topo com 26% de menções. Somando todos os temas econômicos (além da inflação, desemprego, fome/miséria e salário, essa área aparece como maior preocupação de 49% dos eleitores entrevistados. Já a corrupção e violência aparecem como o sexto e sétimo temas principais para o eleitor, com 6% e 3% de menções, respectivamente, ficando atrás também de educação (24%) e saúde (15%).
Um exemplo que ilustra bem o impacto da mudança, conforme a professora Daniela Campello, é a transformação do voto evangélico. Em 2018, esse segmento optou em peso por Bolsonaro. Pesquisa do Instituto Datafolha da véspera do segundo turno naquele ano mostrou que 59% dos evangélicos pretendiam votar no então candidato do PSL contra apenas 26% em Fernando Haddad, o candidato lançado pelo PT. Campello analisa: “Há um certo consenso de que os evangélicos votaram em peso em Bolsonaro em 2018 por toda uma agenda de costumes. Acho que muitos votaram contra Fernando Haddad também porque vinham de uma crise econômica do período de Dilma Rousseff. É muito difícil diferenciar se as pessoas estavam votando contra o PT da Dilma ou a favor da agenda de costumes”. Hoje, Bolsonaro não tem a mesma vantagem no voto evangélico. “A gente percebe que mesmo os que compartilham do discurso de Bolsonaro não vão votar nele porque precisam se alimentar, precisam ter emprego, precisam conseguir comprar, e não estão conseguindo”, salienta a professora.
Voltando à análise mais macro do voto em 2018, a professora da Fundação Getúlio Vargas considera que a questão econômica não estava completamente ausente da decisão do eleitor naquele ano. Na sua avaliação, foi a fraqueza da economia que criou as condições para que as revelações da Lava Jato gerassem tanta revolta na população. Campello compara o cenário de 2018 com a eleição de 2006, quando outro escândalo, o do mensalão, era um tema importante da campanha eleitoral mas não impediu a reeleição de Lula pelo PT. Naquele ano, o Produto Interno Bruto cresceu 4% e o bom desempenho da economia se refletia na boa avaliação do governo. Já em 2018 o PIB brasileiro crescia num ritmo lento pelo segundo ano seguido após forte retração no final do governo de Dilma Rousseff. Ou seja, havia uma crise econômica muito forte, e escândalos de corrupção agravaram a opinião dos eleitores. Hoje, o discurso anticorrupção está enfraquecido e a crise econômica piorou após a pandemia de covid-19, provocando forte aumento da miséria e da fome no Brasil. Esses são fatores decisivos em 2022.