Nonato Guedes
É crescente a mobilização, junto às elites e à sociedade civil brasileira, em defesa da democracia e contra os ataques sistemáticos que continuam sendo protagonizados pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL) e por aliados políticos e apoiadores do seu governo. O sentimento dominante é o de que o mandatário passou dos limites na sua cruzada autoritária, agora confrontando não apenas os Poderes mas agrupamentos sociais, numa escalada inédita na história da República no país. A postura de Bolsonaro teoricamente contribui para agravar seu próprio isolamento. O problema são os efeitos colaterais acarretados em prejuízo da normalidade institucional que possibilite a própria governabilidade, em meio a uma conjuntura de extrema gravidade produzida pelo desemprego alarmante e pelo rescaldo da pandemia de Covid-19.
Para demonstrar que é possível piorar as coisas, Bolsonaro tripudia sobre cartas e documentos que expressam a vontade popular, ofendendo os signatários com palavras de baixo calão e minimizando a adesão de mais de cem entidades representativas e de milhares de assinaturas. Enquanto quatro ex-presidentes da República assinaram algumas das manifestações, Bolsonaro preferiu atacá-los em um culto, uma entrevista, em reuniões com banqueiros e políticos, encontros com apoiadores e em sua live semanal. O atual presidente, está evidente, briga com os fatos e procura manter acesa a chama da radicalização, com o intuito de tumultuar o processo eleitoral que está em curso. A orquestração golpista é mesclada com a pantomima do acatamento à Constituição, porque a verdade é que Bolsonaro já saiu das quatro linhas da Carta Magna há muito tempo.
O governo que se aliou com sofreguidão ao fisiológico “Centrão” e tornou-o sócio preferencial da gestão de orçamentos, inclusive os secretos, investe agora contra a Federação Brasileira dos Bancos com o argumento populista de que a Febraban decidiu retaliá-lo como uma reação à criação do Pix, “por ter acabado com o monopólio no setor”. O ministro chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), estimou que os bancos teriam perdido R$ 40 bilhões com a mudança. Uma reportagem do UOL desmonta as alegações de Bolsonaro, informando que o Pix não foi criação do atual governo, mas iniciativa do Banco Central durante a gestão do antecessor Michel Temer (MDB). Além disso, a perda de receita dos bancos com a inovação foi de cerca de R$ 1,5 bilhão, valor mais de 20 vezes inferior ao citado pelo ministro.
Na visão do mandatário, os manifestos que estão proliferando possuem viés político-eleitoral. Ele baixou o nível ao comparar: “Pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter”. E abordou, de forma recorrente, pela enésima vez, a atitude de governadores e prefeitos que adotaram medidas de restrição social na fase aguda da pandemia da Covid, medidas que, diga-se de passagem, foram recomendadas pela Organização Mundial da Saúde como parte do esforço para controlar a extensão da calamidade que se abateu sobre a população. O rosário de ataques e aleivosias do presidente da República passa pelo incessante alarmismo sobre segurança das urnas eletrônicas, apesar de inúmeras medidas profiláticas e de testes reconhecidamente eficazes que foram promovidos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Antes, como agora, o objetivo é o mesmo: confundir, forjar pretextos antecipados para investidas futuras que constituam ameaça ao regime democrático pleno.
O “cabo de guerra” deve se estender durante as manifestações de Sete de Setembro, conforme convocatórias que já estão sendo expedidas pelo presidente da República aos seus apoiadores. O fato novo que se observa na instável conjuntura política brasileira é a firme decisão de segmentos da sociedade de não aceitar passivamente os expedientes de intimidação, as agressões e a tentativa de bagunçar a realização de eleições livres para presidente da República no país. Vai se formando uma consciência de que reagir às investidas antidemocráticas é um ato de civismo ou de patriotismo. Porque, em última análise, o que está sob ameaça é a própria soberania brasileira, patrocinada por agentes públicos que, nos limites da Constituição, teriam a obrigação elementar de zelar pelo cumprimento das Leis e pela garantia de direitos no território nacional.