Nonato Guedes
As manifestações alusivas ao Dia da Independência do Brasil, ontem, constituíram mais um teste difícil para o regime democrático, em face do comportamento de líderes que a pretexto de defender valores sagrados agem de forma conspiratória contra eles. O presidente Jair Bolsonaro (PL), como de praxe, esteve à frente de opiniões em tom ameaçador que seriam plenamente dispensáveis se houvesse interesse sincero em se colocar, como ele prega, “dentro das quatro linhas da Constituição”. Os apoiadores do mandatário que voltaram às ruas portando faixas com dizeres que atacavam instituições e integrantes desses órgãos fizeram o papel de massa de manobra da discurseira golpista, mas a esta altura sem o impacto de atos congêneres promovidos em outras ocasiões. Não chegaram propriamente a ficar deslocados do contexto, mas seguramente estiveram isolados no rol dos eventos gerais.
Houve certa maturidade por parte de outros porta-vozes de expressão política no sentido de não fornecer pretextos para a radicalização nem incitar apoiadores a confrontos que seriam indesejáveis e de consequências imprevisíveis tomando-se por base a atmosfera de tensão que reina tendo como pano de fundo eleições à Presidência da República e eleições para outros níveis de disputa e esferas de poder. Candidatos que combatem Bolsonaro como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Ciro Gomes, do PDT, focaram na defesa do fortalecimento da democracia como mantra, deixando claro que não expressam meras palavras de ordem mas compromissos que a qualquer tempo poderão ser cobrados ou fiscalizados pela sociedade, principalmente pelos grupos mais combativos engajados na apologia à liberdade. Presidentes de Poderes como o Senado, Câmara e TSE evitaram dar combustível para agitações, embora marcando posição quanto aos princípios que são conhecidos da opinião pública.
Ciro Gomes postou em suas redes sociais: “Que Deus nos abençoe para que nada nem ninguém sejam capazes de roubar a nossa paz e a nossa liberdade, neste dia ou em qualquer momento da nossa história. Vamos em frente, com a mais profunda esperança de que encontraremos, juntos, um novo caminho”. Lula foi econômico nas palavras a propósito do bicentenário da proclamação da Independência do Brasil, mas não deixou dúvidas quanto à sua adesão a bandeiras de luta que sensibilizam grupos majoritários da sociedade. Ainda pontuou que a data poderia simbolizar gestos de união pelo Brasil, lamentando que isto não tenha se manifestado na íntegra. Mas encerrou com uma profissão de fé: a de que o Brasil irá reconquistar sua bandeira, soberania e democracia. Simone Tebet, do MDB, foi enfática ao lembrar que a bandeira do Brasil não tem dono. Também foi feliz ao proclamar que o Brasil precisa de uma nova Independência – “um projeto de futuro e esperança, com educação de qualidade e proteção do meio ambiente, uma vida melhor para crianças e jovens, um novo Brasil mais justo, mais respeitado no mundo todo”.
Alguns adversários de Bolsonaro, como Lula, queixaram-se que o presidente da República fez uso explícito de discurso de campanha eleitoral quando se dirigiu a apoiadores e simpatizantes mencionando o dia da eleição, dois de outubro, acrescentando o pedido para que seus eleitores procurem votar de forma consciente e mudar a opinião de quem tem preferências diferentes. Alertou para um certo maniqueísmo entre o bem e o mal na campanha que ora se desenrola e, naturalmente, se apresentou do lado do bem, chegando a mencionar como ameaça a tentativa dos líderes do PT de voltar ao poder que foi enfeixado pelo partido durante quatorze anos. A rigor, entretanto, não dá para inquinar apenas Bolsonaro de fazer campanha. Os demais postulantes, em graus diferenciados ou valendo-se de formas distintas de comunicação, também enxertaram o viés eleitoral nas suas manifestações a propósito de um tema que mereceu repercussão internacional, pelo simbolismo de efeméride e pela importância estratégica do Brasil no concerto das Nações.
Havia, nas vésperas do Sete de Setembro, uma atmosfera de preocupação com os rumos que as manifestações poderiam tomar, notoriamente quanto ao risco de enfrentamentos que poderiam ocasionar reflexos incontroláveis. Mas o que se viu, no final das contas, foi uma mobilização majoritária para conter riscos de possíveis excessos. Também foi possível notar que o discurso “golpista” que sustenta o ânimo da militância bolsonarista vai perdendo força cada vez mais à proporção que o próprio mandatário se compromete com a aceitação dos resultados do que chama de “disputa limpa”, o que estaria associado à segurança efetiva das urnas eletrônicas. Soam cada vez mais arcaicos os apelos em defesa do voto impresso e de outros exemplos palpáveis de retrocesso. A maioria da sociedade olha para a frente e está efetivamente preocupada com a solução de problemas ou demandas, não dando importância a picuinhas forjadas por candidatos para artificializar, isto sim, a livre manifestação popular.