Nonato Guedes
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que concorre mais uma vez à Presidência da República, tem deixado claro, em entrevistas e discursos, que pretende liderar, se for eleito, o diálogo junto aos 27 governadores, independente de siglas partidárias ou alinhamentos políticos, para a repactuação do chamado “ente federativo” e para que possam ser avaliadas, em cada Estado, as três principais obras que cada um tem para serem compartilhadas pelo governo federal. A prioridade será focada na construção de estradas, com indicações a serem feitas por lideranças políticas locais. Lula foi bastante enfático ao assumir tal compromisso durante a entrevista que concedeu ao programa do apresentador Carlos Massa, o “Ratinho”, no SBT. O seu propósito é o de reunir gestores já na primeira semana após a sua eventual posse, caso confirmada a vitória nas urnas.
A postura defendida por Lula contrasta claramente com o comportamento que tem sido adotado pelo presidente Jair Bolsonaro desde que foi investido no cargo, na relação com governadores de Estados e do Distrito Federal. A falta de uma relação eminentemente republicana foi mais explícita na interlocução com adversários políticos e ideológicos, tornando-se constante o enfrentamento do atual mandatário com governantes da região Nordeste, alguns ligados ao PT, outros situados no campo da esquerda. Os conflitos se tornaram mais agudos por ocasião da pandemia de covid-19, quando houve pressão dos gestores pelo socorro federal. Bolsonaro queria, como contrapartida da remessa de vacinas, medicamentos e verbas, que os governadores revogassem decretos com restrições ao funcionamento do comércio e de outros setores produtivos. Foi a medida profilática que encontraram, acolhendo recomendação da própria Organização Mundial da Saúde, para impedir a expansão do vírus e outras consequências da calamidade.
Bolsonaro revoltou-se com a manifestação de ministros do Supremo Tribunal Federal sinalizando autonomia de governadores e prefeitos para decidirem sobre a questão do isolamento social. Chegou a tratar os gestores como mini-ditadores, acusando-os de agravar a situação do desemprego e da crise econômica por causa das ações restritivas tomadas no âmbito de suas jurisdições. O impasse poderia ter sido contornado, na opinião de líderes políticos, se houvesse habilidade por parte de Bolsonaro e boa vontade para dialogar com os governantes. Ao invés disso, ele partiu para o ataque frontal, sistemático, fechando canais de entendimento. Elegeu como alvos principais o então governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de quem teve ciúmes por ter avançado na aquisição e distribuição de vacinas contra a covid não apenas naquele Estado mas em outros Estados. Bolsonaro indispôs-se, também, com os governadores do Nordeste, que denominou, pejorativamente, de “governadores de paraíba”.
A postura do presidente da República foi um reflexo do seu assumido negacionismo em relação à Ciência, o que lhe valeu críticas não só no Brasil como até no exterior e originou, da parte dos adversários internos, a pecha de “genocida” carimbada no perfil do mandatário. A recusa de Bolsonaro em tomar a vacina, preferindo fazer propaganda de medicamentos de eficácia não comprovada, piorou a sua imagem e chegou a arranhar, mesmo, o conceito do Brasil no cenário internacional. Ele foi encarado como “um líder sem noção” e sem capacidade para comandar o País num momento particularmente difícil da sua História. Por pouco a tragédia não se ampliou a índices mais graves. O quadro de tensão foi sustentado, ainda, pela hostilidade do presidente da República ao “Consórcio Nordeste”, o fórum de governadores da região, criado não só para encaminhar pleitos ou demandas das populações do Estado como para administrar recursos com autonomia e investi-los em obras e ações de interesse público. O Planalto entendeu que havia uma tentativa de “governo paralelo” por parte dos adversários de Bolsonaro e deu prosseguimento ao fogo cruzado.
O corolário da crise entre o governo federal e os governos estaduais foi a orquestração de uma CPI no Senado, dirigida por aliados do presidente Jair Bolsonaro, a pretexto de apurar a verdade sobre a extensão da calamidade da pandemia no país, mas que se tornou, na verdade, um palco para a radicalização e o incremento da guerra movida pelo mandatário contra os demais gestores de Estados e municípios. Muito tempo foi perdido nessa atmosfera de incidentes e provocações, desviando a canalização de energia de objetivos estratégicos mais urgentes, como a ação conjunta de combate aos efeitos da tragédia sanitária e, também, da tragédia econômica e social. Bolsonaro desagradou até governadores que são apontados como aliados seus, mas que acabaram sendo prejudicados no oferecimento de respostas eficazes para os desafios postos na mesa. Os acenos que têm sido feitos pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva indicam posição de respeito à legitimidade dos mandatos de outros gestores e interesse concreto em compartilhar soluções para que o Brasil supere com rapidez impasses ainda à deriva por causa da incúria do governo de Jair Bolsonaro.