Nonato Guedes
A média das análises de respeitados colunistas da grande mídia e de “experts” políticos em geral sobre o debate promovido ontem à noite pela TV Globo com candidatos à Presidência da República converge num ponto: apesar de tenso e grave em várias ocasiões, o confronto não “queimou” a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que permanece como favorito na corrida, focando na estratégia de definir o pleito logo no primeiro turno contra o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Houve bate-boca e direitos de resposta entre os postulantes principais, mas não chegou a se configurar um “massacre” contra Lula. Essa expectativa (do massacre) havia, estimulada pelos bolsonaristas, que apostavam fichas na ‘colaboração’ de outros candidatos coadjuvantes, a exemplo de um certo Padre Kelmon, que foi definido jocosamente como ‘padre de festa junina’.
De resto, antes mesmo do debate mediado pelo veterano jornalista William Bonner, uma pesquisa do Datafolha revelou que Lula despontava com 48% dos votos, com possibilidade de vencer no primeiro turno, e Bolsonaro com 34%. Não houve confronto direto entre Lula e Bolsonaro nas perguntas e respostas, que, no entanto, duelaram através dos pedidos de resposta no primeiro bloco, o mais quente do programa. O candidato do PDT, Ciro Gomes, teve uma atuação melancólica, coincidindo com o derretimento dos seus votos e com problemas em família que o impediram de fazer campanha no seu berço político, o Estado do Ceará. Reportagem do UOL mostrou que a estratégia inicial de Bolsonaro era focar em ataques contra Lula durante o debate e desgastar o ex-presidente. Já a campanha do ex-petista afirmou que ele responderia de forma mais incisiva quando fosse atacado. No debate da Band, Lula foi considerado apático ao ser confrontado sobre corrupção.
A verdade é que, desta feita, Lula procurou se aplicar melhor na preparação para um possível fogo cruzado dos concorrentes, notadamente de Bolsonaro, que, por sua vez, havia sido instruído pelos assessores radicais a fazer de tudo para tumultuar o ambiente, numa orquestração ensaiada para tentar desgastar o ex-presidente e líder petista. Na parede da memória de Lula estava bem nítida a cena de 1989, no segundo turno, em debate da TV Globo, em que enfrentou o candidato Fernando Collor de Mello e acabou sendo vítima de artimanhas e de golpes ministrados pelo ex-caçador de marajás abaixo da linha da cintura. Collor acabou vencendo – o debate, editado pela Globo, que anos mais tarde fez “mea culpa” de parcialidade, e a própria eleição, tudo jogado fora pelo impeachment que sofreu em 1992. Agora, Lula chegou a cancelar a agenda de eventos políticos e procurou se concentrar no alvo de plantão – Jair Bolsonaro.
Numa análise a respeito, o colunista do UOL José Roberto de Toledo avaliou como benéfico para o ex-presidente Lula o primeiro bloco do debate presidencial realizado pela Globo. Toledo questionou a estratégia dos outros candidatos perante o petista, uma vez que Lula acabou tendo o protagonismo e o maior tempo de fala durante a primeira parte do debate. “Cometeram um erro estratégico grave de ficar atacando Lula e dando tempo para ele aparecer. Quanto mais o Lula aparece, melhor para ele porque no direito de resposta ele não tem que responder nada, ele pode falar o que ele quiser”, avaliou Toledo. Quanto à participação do presidente Bolsonaro, Toledo comentou que ele falou para sua própria bolha e não conseguiu convencer novos eleitores a votarem nele devido ao seu tom agressivo. A colunista Thaís Oyama concordou: “Está muito bom para o Lula principalmente. Ele se saiu melhor e está muito preparado, sem dúvidas”.
No capítulo da corrupção, os ataques foram recíprocos. Bolsonaro voltou a tratar o ex-presidente Lula como o “chefe de uma grande quadrilha”, além de acusá-lo de “cleptocracia”. No direito de resposta, Lula falou que seu principal oponente na corrida eleitoral deveria saber o que foi a “quadrilha da vacina”, referência ao imunizante Covaxin, que foi alvo de escândalo na pandemia após denúncias feitas na CPI da Covid no ano passado. A impressão que se tem é que, apesar da audiência cristalizada da TV Globo, o debate de ontem não constituiu o grande elemento decisivo da eleição de domingo. Especula-se que esse elemento poderá traduzir-se na movimentação de partidários dos dois principais candidatos nas redes sociais nas horas que antecedem a realização do pleito. É um território fértil, inclusive, para a proliferação de “fake news” e para a montagem de versões fantasiosas de todo o tipo, com o intuito exclusivo de confundir, jamais de esclarecer. Quanto ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, é pertinente observar que ele tornou-se “teflon” na campanha eleitoral de 2022, sem que qualquer acusação “cole” na sua imagem. Se não houver fator superveniente, pode mesmo liquidar a fatura na primeira fase, para desespero de Bolsonaro e das viúvas do bolsonarismo.