Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, e seus apoiadores, já não conseguem mais camuflar o ambiente de tumulto político que estão empenhados em fomentar às vésperas da decisão da disputa pela Presidência da República, prevista para o domingo em segundo turno. Um fato novo, que impressiona os analistas políticos, é a resistência que o principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segura diante da disseminação de “factóides” e “fake news”, em meio a informações sem pé nem cabeça e ataques contra ele e autoridades da Justiça Eleitoral como parte da orquestração para deslegitimar um resultado que, segundo apontam pesquisas de opinião pública, deverá confirmar uma provável derrota de Bolsonaro. O objetivo final do bolsonarismo é o de provocar um “terceiro turno”, com contestações em série, na reedição do “teatro” idealizado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e que constituiu fracasso de ‘bilheteria’.
Até aqui, Bolsonaro e os bolsonaristas têm falhado na estratégia porque enfrentam o paredão da Justiça Eleitoral, comandada pelo ministro Alexandre de Moraes, de quem o atual mandatário tornou-se desafeto assumido. Em outra frente, há o “paredão de votos” que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva consegue manter, contornando dificuldades como o estímulo maciço à abstenção em algumas regiões do território nacional e até expedientes de baixo calão utilizados para atacar a campanha do líder petista, a exemplo da “guerra de religiões” que tem feito vítimas em alguns Estados onde os ânimos estão mais acirrados, devido a diferenças estreitíssimas ou a cenários de nítida vantagem do candidato de oposição ao governo que está aí. No segundo turno, até mesmo investidas insidiosas foram tentadas pelo bolsonarismo no Nordeste, onde é grande a concentração de votos em Lula, sem que tais manobras tenham surtido efeitos espetaculares do ponto de vista das projeções ensaiadas.
Desde o primeiro turno, a campanha do presidente Bolsonaro optou não por debater projetos e soluções para os graves problemas nacionais, mas, sim, por desviar a atenção do candidato opositor e, por extensão, da opinião pública, quanto à defesa de temas caros para a sociedade como o compromisso com a democracia e a adoção de políticas públicas direcionadas para o combate ao desemprego que infelicita milhares de famílias no país. Inseriu bandeiras com apelo puramente demagógico e descoladas da verdadeira realidade brasileira, até porque os quatro anos que foram confiados a Bolsonaro para fazer alguma coisa de útil estão se esgotando e a perspectiva de renovação do crédito de confiança nas urnas é uma miragem. A pregação tem sido recheada pelo incitamento à violência, à desagregação familiar, à destruição de valores que, em tese, o presidente assegura respeitar. Não há antecedentes semelhantes na história de disputas presidenciais recentes no país.
Os especialistas em processo eleitoral lembram que, por décadas, houve confrontos sérios entre o PT e o PSDB, mas os embates transcorreram de forma civilizada, no campo das ideias, com algumas escaramuças mais agudas que, no entanto, nunca chegaram chegaram ao nível do combate encarniçado que os bolsonaristas traçaram para enfrentar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e impedir a sua volta ao poder. Quando cogitou a possibilidade de se candidatar este ano, vencendo batalhas judiciais e até mesmo pena uma pena de prisão que cumpriu, o ex-presidente Lula da Silva teve a maturidade de buscar arregimentar aliados para um projeto de reconstrução nacional, onde eles estivessem acampados. Foi quando idealizou a chamada “concertação política”, agregando opostos em nome de uma meta ambiciosa: a preservação democrática. Visando esse desideratum foi que Lula viabilizou alianças impensáveis nos Estados e atraiu parcela considerável de apoios para o leito da sua própria candidatura à Presidência da República.
O presidente Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo em que contribui para denegrir a imagem do próprio Brasil no exterior, com o rosário de fatos escandalosos no entorno do seu projeto de candidatura, queima a imagem como participante de um processo eleitoral que se desenrola, como ele queria, dentro das “quatro linhas da Constituição”. Há quem interprete essa orquestração do mandatário como mensagem dirigida ao público interno, ou seja, aos apoiadores fanáticos e radicais que estão desesperados por temerem a derrota na decisão histórica no próximo domingo. É um papel melancólico, deprimente, o que o presidente da República exerce nesse contexto, não fosse ele, em si mesmo, um agente provocador que se valeu o tempo todo da democracia para tentar desmoralizá-la ou destruí-la.