Nonato Guedes
Desde o primeiro turno da eleição presidencial deste ano que a mídia, as pesquisas e os analistas políticos têm decantado a supremacia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na região Nordeste, onde estão suas origens e de onde ele migrou para o Sul do país em busca de melhores condições de vida. Esse prestígio de Lula nunca foi atribuído exclusivamente às suas raízes nordestinas, mas também a políticas públicas executadas nos seus dois governos em favor da região, como parte do esforço para reduzir desigualdades intraregionais no país. Nos dois turnos, a liderança de Lula foi hegemônica, cobrindo praticamente os nove Estados, o que levou o presidente eleito, ontem, em mensagem, a ressaltar a importância específica do Nordeste, sem deixar de realçar outros Estados onde, inclusive, não teve maior vantagem.
Em termos concretos, a votação obtida por Lula na região do semiárido impulsionou decisivamente a sua jornada para se consolidar no embate com o presidente Jair Bolsonaro. Ainda houve tentativas desesperadas do “staff” de Bolsonaro e do próprio presidente para reverter o cenário desfavorável entre os nordestinos, com acenos diretos feitos pelo mandatário-candidato, mas não foram eficazes para deter a escalada de favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além das políticas públicas marcantes direcionadas para o Nordeste nos seus dois mandatos, Lula se reforçou ao tomar a peito o desafio do projeto de transposição das águas do rio São Francisco, considerado “redenção” do nordestino e que não saiu do papel em governos anteriores, de outros partidos. Um levantamento feito pelo site “Congresso em Foco” mostrou que, no NE, a vantagem de Lula foi maior que a média nacional no segundo turno.
O petista teve 63,34% dos votos contra 30,66%, única região em que ele superou o presidente e o ajudou a garantir um novo mandato. O “Congresso em Foco” fez um histórico da “contramão” deste cenário, registrando os municípios nordestinos em que Bolsonaro saiu vencedor – foram somente 20 no total. O Estado de Alagoas foi o que teve mais municípios alinhados ao bolsonarismo – foram 13 cidades, incluindo a capital, Maceió, que deu ao capitão 57,18% dos votos válidos contra 42,82% de Lula. Na média geral, entretanto, Lula manteve a vantagem em Alagoas. No Estado, o petista teve 58,68% (976.831 votos) contra 41,32% (687.827 votos) de Bolsonaro. Em Estados como Ceará, Paraíba, Piauí e Sergipe, Lula foi vitorioso em todos os municípios, conforme quadro compilado pela reportagem do “Congresso em Foco” junto aos dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O cientista político Alex Ribeiro, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), defende que não se trata apenas de “ilhas bolsonaristas” quando se fala das vitórias de Bolsonaro em alguns municípios. Ressalta que esses resultados estão relacionados com a dinâmica das alianças locais. “Se formos analisar a geografia do voto, o mapa eleitoral, pelo menos das últimas eleições, podemos enxergar que a mudança de um voto demora, ela não é a curto prazo. A análise do voto mostra que as regiões Norte e Nordeste votaram preferencialmente no PT”, destacou. Diz que as outras regiões do Brasil votam (sobretudo Sudeste e Sul, majoritariamente), em candidatos anti-PT. Antes, eram os tucanos e agora Bolsonaro assumiu esse voto – acrescentou o cientista político, pontuando que mesmo com a investida do presidente da República a região não encampou as bandeiras do seu governo.
“O Nordeste vota no PT porque enxerga políticas públicas em que a região foi beneficiada, sobretudo nos anos do governo Lula. Então, para ingressar nessas mesmas regiões, sejam partidos de centro-direita ou Bolsonaro, ela demora certo tempo e não tem muito sucesso”, conclui. Um outro dado que tem sido ponderado por cientistas políticos foi a relação de confronto estabelecida por Bolsonaro, praticamente, durante todos os quatro anos, com governadores, instituições e outras figuras representativas, principalmente do Nordeste. Ele chegou a atacar o “Consórcio Nordeste” em plena fase de calamidade da pandemia da covid-19, criando uma tensão desnecessária e prejudicial para o mutirão que a sociedade exigia no enfrentamento à tragédia sanitária. Por outro lado, foi extremamente descortês com governadores da região, chamando-os pejorativamente de “governadores de paraíba”. Tudo isso passou a impressão de hostilidade extensiva ao próprio povo nordestino, sem falar na lentidão da continuidade das obras de transposição do rio São Francisco e de outros projetos remanescentes da Era petista (Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff). Lula já prometeu que, tão logo seja empossado, um dos primeiros atos será convocar governadores para que eles indiquem prioridades a serem atendidas nos seus Estados.