Nonato Guedes
O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSB), já provou que não será um vice-presidente da República decorativo no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito em segundo turno derrotando Jair Bolsonaro (PL). Nomeado pessoalmente por Lula como coordenador da transição entre o futuro governo e o atual, Alckmin não só tem cumprido missões relevantes em Brasília e junto a outras instâncias de poder como tem colaborado para descascar abacaxis, promovendo consensos em torno de temas polêmicos que passam pela apreciação do Congresso Nacional. Com isto, o presidente eleito Lula da Silva ganha tempo e liberdade para cumprir outras agendas, a exemplo do encontro mantido com ministros do Supremo Tribunal Federal e do diálogo encetado junto aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.
A desenvoltura de Alckmin no campo da articulação política-institucional tem sido ressaltada favoravelmente por diversas lideranças, inclusive, do Partido dos Trabalhadores, mesmo tendo quebrado o protagonismo maior que o petismo cogitava exercer na volta do seu líder ao Palácio do Planalto. Lula deixou claro, entretanto, com antecedência, que não lhe passava pela cabeça a ideia de priorizar um “governo do PT” mas, sim, de construir um governo de coalizão com outras forças democráticas que estivessem interessadas em compartilhar experiências novas de justiça social, inclusão e desenvolvimento econômico. O próprio enredo da campanha presidencial foi influenciado pelo que Lula chamou de “concertação”, um movimento focado na atração de divergentes interessados em convergir na promoção de uma Agenda Brasil de resultados.
A peregrinação de Lula tem sido incansável, desde antes do início da campanha, para aglutinar forças, equacionando, por exemplo, conflitos regionais, passando por cima de divergências da história recente com líderes e agremiações, na perspectiva de construção de um governo de “salvação nacional”, levando em conta os temores de uma herança caótica ou desastrosa legada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, sem falar no contencioso de avanços que foram derrubados, de conquistas que foram derrogadas e de reivindicações que foram olimpicamente ignoradas pelo mandato de extrema-direita que se assenhoreou do poder nas eleições de 2018. Contribuiu para essa união inédita a postura conciliadora que o ex-presidente Lula decidiu assumir, sinalizando que a eleição de 2022 seria, de fato, histórica, pelos componentes de que se revestia e pelos horizontes que poderia abrir na seara institucional brasileira.
Para tanto, foi fundamental a habilidade política de Lula, “enquadrando” ambições individuais de petistas históricos no rol de um projeto coletivo, ampliado, que devolvesse ao Brasil as condições mínimas de governabilidade e, em paralelo, a recuperação do prestígio internacional, que foi duramente abalado na Era Bolsonaro, em meio à atitude negacionista que o ainda presidente adotou diante de uma calamidade como a covid-19 que custou milhões de vidas, assustou o planeta e hoje volta a inquietar diante de sinais de rcidiva, anda que em outa conjuntura. Lula também demonstrou grandeza ao não se guiar por revanchismos nem ressentimentos pessoais, de tal sorte que o seu palanque espalhado pelo Brasil tornou-se uma espécie de “Arca de Noé”, acolhendo até antigos desafetos do PT e do lulismo. A vitória do ex-presidente no segundo turno foi, então, o coroamento de toda uma estratégia bem-sucedida que ele colocou em prática sem perder de vista o futuro do Brasil.
A própria filiação de Geraldo Alckmin, um ex-tucano e ex-adversário de Lula na corrida presidencial, ao PSB, fez parte da orquestração engendrada pelo líder petista para ampliar o arco das alianças e promover a tal convergência dos divergentes. No íntimo, Lula sabe que são imensos os desafios e que são enormes as responsabilidades referentes a um terceiro mandato, mas ele está psicologicamente preparado para os desafios e é por isso que não descarta apoios que considera sinceros para a tarefa de reconstrução que passou a ser ao mesmo tempo prioridade nacional e obsessão particular do ex-candidato à Presidência da República. A possibilidade de Alckmin vir a ocupar um ministério está em aberto, mas ela não é necessária para a parceria que está sendo tocada de ouvido entre o presidente e o vice. O clima conspira para que haja o retorno à normalidade, ou, como queiram, ao “status quo ante”, com a superação de resistências e obstáculos residuais que possam eclodir no meio da jornada.