Nonato Guedes
Com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mergulhado na montagem de um terceiro governo que se baseia mais na intuição do que na informação (esta, sonegada pela equipe do ainda ocupante de plantão do palácio, Jair Bolsonaro), a futura primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, socióloga e militante histórica do PT, viu-se no centro do furacão, inquinada por expoentes da mídia que criticam a sua desenvoltura desde a campanha eleitoral, acusando-a de querer interferir nas decisões do poder, embora não tenha mandato. Numa entrevista, ontem, ao “Fantástico”, da Rede Globo, “Janja” não se intimidou com o patrulhamento e prometeu, sim, ter voz ativa na gestão do marido, combatendo a violência contra a mulher e o racismo, entre outras bandeiras que pretende empalmar, dentro da linha de colaboração que se traçou para exercer junto com o mandatário.
“Janja” afirmou ter identificado machismo nas críticas que lhe foram dirigidas e adiantou que pretende ressignificar o papel de primeira-dama. “Houve machismo porque talvez a figura do Lula por si só se bastasse, e agora tem uma mulher do lado dele, não que complemente, mas que soma com ele em algumas coisas. Sou uma pessoa que é propositiva, que não fica sentada, que vai e faz. Pretendo ressignificar o conteúdo do que é ser uma primeira-dama, trazendo algumas coisas importantes, algumas pautas importantes para as mulheres, para as pessoas, para as famílias de uma forma geral. Talvez seja esse papel de mais articulação com a sociedade civil”, frisou. Foi incisiva, sobretudo, no compromisso de lutar contra a violência às mulheres. “Quero atuar bastante nisso, fazer essa discussão com a sociedade. Não é com Medida Provisória que você resolve essa questão”.
O marketing da futura primeira-dama, segundo exposto no seu perfil em rede social, procurou enfatizar o detalhe de que, a partir de 2023, o país conviverá com uma mulher de personalidade ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Janja” é muito mais ativista do que Marisa Letícia, com quem Lula foi casado e que o acompanhou em jornadas difíceis, como na ocasião em que ele foi preso por liderar manifestação de sindicalistas no ABC paulista contra a ditadura militar. De sua parte, Janja esteve ao lado de Lula quando ele cumpriu pena na Polícia Federal em Curitiba, de lá saindo para conquistar a reabilitação política e moral e consagrar-se na eleição que o devolveu à Presidência da República. Na campanha eleitoral de Lula em 2022, Janja foi quem deu o tom de inúmeros eventos decisivos e aproximou Lula de setores artísticos e culturais, bem como de segmentos com os quais o ex-presidente tinha dificuldades de diálogo ou de acesso para dialogar. Não foi, portanto, uma figura decorativa nem tem o perfil de uma mulher alienada – pelo contrário, demonstra domínio da realidade brasileira e ampla sensibilidade social para com temas como o da fome.
Uma reportagem da “Folha de São Paulo” destaca que o protagonismo da socióloga trouxe elogios mas também provocou desconforto entre aliados do petista. No fim de semana, apoiadores de Lula emitiram apoio a ela depois de um comentário da jornalista Eliane Cantanhêde sobre a socióloga que foi considerado machista. Desde o casamento com o ex-presidente em maio deste ano, Janja ganhou cada vez mais notoriedade dentro e fora do comitê eleitoral. Pessoas do seu entorno a descrevem como uma mulher com brilho próprio, de conteúdo, com personalidade forte e amorosa. As posições de engajamento de Janja também são sinceras e embasadas. Ao “Fantástico” ela disse que o maior desafio do novo mandato do marido será o de “reacender a chama” da solidariedade e da compaixão em uma parcela da sociedade brasileira. Na sua concepção, isto não se faz meramente com políticas ou com programas assistencialistas, mas com soluções efetivas, concretas, que tenham o significado de um resgate da dívida contraída pelos governos com os segmentos marginalizados da sociedade brasileira. A compreensão de Janja a esse respeito decorre do seu próprio estudo da conjuntura brasileira, entremeado com a sua formação humanista inegável.
Questionada sobre primeiras-damas que a inspiram em sua nova posição, Janja citou a argentina Evita Perón (1919-1952) e a americana Michelle Obama. A brasileira, que já foi comparada por petistas a Evita, disse que muitas pessoas no Brasil desconhecem “o papel que ela teve para as mulheres naquele momento histórico da Argentina”. Sobre a esposa do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, a esposa de Lula falou que ficou bem impressionada ao “saber que muitas das políticas que foram tentadas pelo governo Obaa também foram proposições dela, principalmente ligadas à área da saúde e alimentação”. Partiu de Janja a iniciativa de reeditar o jingle da campanha presidencial de 1989 “Lula lá” e, ao longo da campanha, ela cantava a música antes de o petista discursar. “Janja” é bem articulada, inteligente e carismática. Além do mais, é resiliente. Já tem seu lugar assegurado na História, independente de críticas, amuos ou ressentimentos que, na verdade, traduzem preconceito e violência quanto à participação da mulher na atividade política.