Nonato Guedes
É melancólico o fim do único governo empalmado por Jair Bolsonaro (PL), que foi imolado nas urnas, no segundo turno, na pretensão de se reeleger ao cargo. Para o colunista Rudolfo Lago, em análise no “Congresso em Foco”, boa parte do mutismo de Bolsonaro desde que ficou conhecido o resultado final das eleições presidenciais deste ano decorre mesmo de um estado depressivo. E explica Rudolfo: “Bolsonaro acreditou nas próprias lorotas que contava. Quando acabou derrotado para Luiz Inácio Lula da Silva, sua ficha caiu. O presidente constatou que, mais do que derrotado por Lula, ele perdeu as eleições para ele mesmo. Para a sucessão de erros de avaliação cometidos a partir de um governo que tinha como premissa a distorção, a confusão e – esta é a verdade – a mentira. Um processo tão massivo que acabou distorcendo, confundindo e tornando falsa a perspectiva do próprio Bolsonaro”.
Por enquanto, Bolsonaro não esconde que ainda está lambendo as feridas da derrota para Lula, cuja reabilitação política-eleitoral ele subestimou, em mais um dos inúmeros erros de cálculo cometidos na trajetória cambiante que tem adotado à frente do Executivo. Mas fontes próximas do presidente asseguram que ele dá sinais de querer começar a sair dessa fase depressiva e estaria se abrindo a ponderações de interlocutores no sentido de que, apesar da derrota, o resultado das eleições não seria o fim do mundo para ele. Ainda que seja o primeiro presidente não reeleito desde que esse instituto foi adotado, Bolsonaro é o segundo candidato à Presidência com maior votação da história, perdendo, naturalmente, para Lula, que ganhou a parada. Esses interlocutores acreditam que há um considerável potencial de oposição ao novo governo Lula, que Bolsonaro poderá vir a comandar como principal líder.
O mutismo que Bolsonaro insiste em alimentar, então, teria outro propósito, na avaliação do colunista: o ainda mandatário quer mapear exatamente o tamanho da oposição que lidera, ou seja, identificar com quem realmente ele conta, sobretudo quando estiver fora do poder, despojado da caneta que nomeia e demite e dos recursos que tanto deslumbram integrantes da classe política. Sendo assim, o presidente testa a renitência do bolsonarismo raiz que acampa na frente dos quarteis, com a ideia de manter essa turma mobilizada até a posse de Lula. O presidente sabe que parte daqueles que estavam com ele agia por puro pragmatismo, pelas vantagens que há em se estar próximo de um governo. “É uma turma que provavelmente vai se bandear para continuar próxima de um governo, porque é assim que atua”, descreve Rudolfo Lago, aludindo ao fisiologismo que tanto pode fascinar expoentes do “Centrão” como líderes do MDB, cuja candidata à Presidência Simone Tebet deverá fazer parte do ministério.
“Bolsonaro está mudo, mas ainda está vivo”, conclui Rudolfo, que é diretor do “Congresso em Foco Análise” e jornalista conceituado nas redações dos grandes veículos de comunicação do país. Há um outro fator preocupando Bolsonaro: a concorrência de antigos aliados políticos pelo espaço como líder principal da oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro ficará sem poder e sem mandato, o que reduzirá drasticamente o seu grau de visibilidade no noticiário nacional. Poderá vir a ser ofuscado por lideranças de direita com broche garantido, como o seu ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, que foi eleito senador e terá tribuna e holofotes a partir da próxima legislatura. Ou, pior ainda, pelo governador eleito de São Paulo, seu ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, que é assediado para comandar o agrupamento que ficará órfão quando o ex-capitão for apeado do Palácio do Planalto, assistindo à entronização triunfal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na prática, aliás, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva age como se já estivesse no exercício do cargo pela terceira vez. Ele é quem dá as coordenadas das demarches para a transição que é feita, principalmente, com interlocutores no Congresso Nacional, em outros poderes e com representantes do empresariado e da sociedade civil organizada, que vislumbra retomada de espaços de influência nas decisões futuras de governo. Lula, diferentemente do arrogante Bolsonaro, tem se oferecido para o diálogo, ainda que se reserve o direito de enfeixar decisões cruciais, atento às responsabilidades que terá e a possíveis surpresas derivadas da herança maldita bolsonarista. O novo governo vai se formando por cima de pau e pedra, desafiando caminhos íngremes e bombas de efeito retardado que estão acumuladas no remanescente arsenal bolsonarista, com os dias contados para ser desativado. Quanto ao presidente de um mandato só, enfrenta as agruras de uma maldição atribuída a governantes em fim de mandato: a maldição do ostracismo, refletida nos mínimos detalhes. Como, por exemplo, o cafezinho morno, insípido, que ainda é servido nas ante-salas do poder, mais como praxe do que como deferência. A Era Bolsonaro acabou – e é temerário assegurar que ela voltará com o comando dele e a pujança que os órfãos do talvez ainda alimentam.