Nonato Guedes
Em seu primeiro discurso como presidente da República, proferido no Parlatório, em Brasília, em primeiro de janeiro de 2003, o petista Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que faria um governo de mudança e foi enfático: “Eu não sou o resultado de uma eleição. Eu sou o resultado de uma história. Estou concretizando o sonho de gerações e gerações que, antes de mim, tentaram e não conseguiram”. Era uma referência ao simbolismo de ser o primeiro operário a ascender à suprema magistratura da Nação. A maioria do eleitorado estava em lua-de-mel com Lula, como destacou a revista “Veja” numa matéria de capa, fazendo analogia com ex-presidentes que tinham tradição política ou que governaram o país por obra e graça de um estado de exceção, como o que se verificou no regime militar, entre 1964 e 1985.
Aos olhos do mundo, Lula encarnava a imagem de um homem do povo, com trajetória assentada em lutas sindicalistas que contribuíram para conquistas obtidas pela classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, possibilitaram um corte na estrutura de poder, até então concentrada nas mãos de representantes das elites ou das classes dominantes do país. Lula, que foi investido juntamente com o vice José Alencar, um empresário com empreendimentos em Minas Gerais, considerou-se, uma vez legitimado nas urnas, o porta-voz, num momento histórico, dos anseios de milhões e milhões de brasileiros e brasileiras por um Estado socialmente justo e politicamente democrático. Julgava-se plenamente conhecedor das dificuldades que iriam ser enfrentadas, mas ao mesmo tempo estava convencido de que poderia ajudar o país na construção do seu futuro, como se fosse um predestinado para tão árdua missão.
Prometeu que no seu governo tanto ele como o vice e os ministros trabalhariam, se necessário, 24 horas por dia para que pudessem cumprir o que havia sido prometido no palanque e que, na opinião de Lula, não constituía nenhuma proposta absurda. “Para chegar aqui nós perdemos quatro eleições: uma para governador (em São Paulo) e três para presidente da República. E vocês sabem que a cultura política do Brasil só rende homenagem aos vencedores. Quando a gente perde, ninguém dá um telefonema para dizer: “Companheiro, a luta continua”, chegou a desabafar em um outro trecho da sua fala. Em outro discurso, no mesmo dia, perante o Congresso Nacional, Lula confirmava que “mudança” seria a palavra-chave, assim interpretando a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro de 2002. “A esperança finalmente venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos, diante do esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome”. Seu compromisso foi eloquente: “Vamos mudar, sim. Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia, mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo, continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista”.
Nos dois governos que empalmou, Luiz Inácio Lula da Silva conviveu com crises políticas, cometeu erros e enfrentou até escândalos de corrupção como o malsinado “mensalão”, que foi destaque na mídia internacional. Mas a Era Lula foi caracterizada pela solidariedade efetiva com as classes menos favorecidas, que estavam à margem, numa época em que não era tão forte o significado da “inclusão social”. Foi pródigo em avanços, nas questões da Cidadania (Direitos Humanos, indígenas, negros) e deu partida ao ambicioso projeto da transposição das águas do rio São Francisco no semiárido do Nordeste, assinalando um marco histórico em relação a antecessores que nunca tiraram do papel o programa da interligação de bacias. Ainda agora, ao assumir pela terceira vez o Palácio do Planalto em janeiro de 2023, Lula terá a responsabilidade de concluir a transposição, suprindo as lacunas deixadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, que, de resto, tratou o Nordeste de forma preconceituosa, sem levar em consideração o peso que a Região conquistou no cenário nacional como força política ativa.
A reabilitação nas urnas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de ter cumprido prisão de 580 dias na Polícia Federal em Curitiba e ter conseguido a anulação de processos que tramitavam contra ele em esferas do Poder Judiciário, foi um fato extraordinário na história política do Brasil e do mundo, daí o interesse e a repercussão que cercam o retorno do expoente maior do Partido dos Trabalhadores. A conjuntura é outra, seja em decorrência dos efeitos da pandemia de covid-19, seja dos reflexos colaterais da guerra entre Rússia e Ucrânia, seja em virtude da maldita herança bolsonarista que está sendo legada, com desmonte em setores estratégicos como a Educação, Saúde e Infraestrutura. Como candidato em 2022, Lula não aprofundou propostas para o terceiro governo, mas deu indicação de compromisso com a “reconstrução nacional”. Pelo sim, pelo não, até eleitores que não votaram nele deixam escapar sinais de esperança, como parte da corrente para que o Brasil, finalmente, dê certo, depois de tantas turbulências acumuladas.