Nonato Guedes
A imprensa registrou que em certa fase da sua biografia o “Rei” Pelé, a lenda do futebol brasileiro que morreu em São Paulo na quinta-feira, cogitou a ideia de se lançar candidato à Presidência da República e chegou mesmo a se definir como socialista. A ideia foi revelada por ele no dia 8 de novembro de 1989, às vésperas da eleição presidencial na qual Fernando Collor de Mello saiu vitorioso. O jornal “Folha de São Paulo” assim registrou o projeto de Pelé: “Se eu for candidato, vou procurar fazer um plano com antecedência e participar dos debates na TV”. Se não chegou a concretizar o sonho de concorrer ao Palácio do Planalto, Pelé chegou, pelo menos, a assumir um ministério, o dos Esportes, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), onde atuou por três anos.
Ele ocupou o cargo entre 1995 e 1998 e tinha como bandeira a modernização do futebol e a garantia dos direitos trabalhistas aos atletas profissionais. Foi exonerado em abril de 1998 e, na sequência, a Pasta foi extinta. A Lei Pelé foi sancionada durante a gestão do ex-jogador, o que fez a Fifa ameaçar tirar o Brasil da Copa de 1998. O prestígio de Pelé só não foi suficiente para derrubar os bingos, segundo uma reportagem do UOL. A Lei Pelé foi considerada revolucionária para os padrões da época, referentes à relação entre clubes de futebol e atletas. Estes praticamente conseguiram libertar-se da ditadura dos clubes, que praticamente monopolizavam os seus “passes”. O instituto do passe perdurava desde os anos 1930 e a batalha de Pelé contra os “cartolas” do futebol teve ampla repercussão na mídia em todo o mundo, como, aliás, tudo o que dizia respeito a Pelé ganhava notoriedade.
No livro “A Arte da Política”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso narra em detalhes o processo de escolha de Pelé para ministro do seu governo, que, segundo ele, revestiu-se de “lances cinematográficos”. Ele conta que na apresentação do Ministério, em uma conferência de imprensa, reservou uma surpresa: nomeou Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, para o recém-criado Ministério do Esporte. “A escolha de Pelé merece um registro à parte, por ser meu ex-ministro e figura única que é e também pelos lances cinematográficos que envolveram o encontro em que acertamos sua vinda para o governo. De início, minha opção era por uma Secretaria de Esportes e sondei o jornalista Juca Kfouri, que eu conhecera ainda estudante do primeiro ano de Ciências Sociais na USP como aluno de Ruth (Ruth Cardoso, mulher de FHC, já falecida), na cadeira de Antropologia e que sempre lutara, ao longo da carreira, pela modernização do esporte. Juca, entretanto, não se via na vida pública, e não aceitou, mas se propôs a me ajudar. Logo se chegou ao nome de Pelé. Não imaginávamos que Pelé aceitaria um convite. A nosso pedido, Juca telefonou para Pelé, que se encontrava em Nova York. Juca me relataria a reação do craque: ‘Já recebi três convites desse tipo antes. Mas com o Fernando Henrique acho que vou aceitar”.
O passo seguinte seria marcar um encontro entre ambos, que FHC não queria tornar público porque temia um “Não” de Pelé e porque gostaria de manter a surpresa do anúncio. O encontro foi na casa de Juca, um apartamento em São Paulo. No dia combinado, a mídia, que seguia Fernando Henrique por toda parte, foi despistada com o anúncio de uma visita dele a um ex-aluno – e nem supunha que Pelé estaria presente. Para evitar vazamentos, o anfitrião prontificou-se a ir buscar o atleta pessoalmente, com grande antecedência. O craque chegou à garagem do edifício deitado no chão do Fiat Tempra de Juca e tendo o corpo coberto por um paletó. FHC subiu ao apartamento observado por um batalhão de jornalistas. Pelé e ele conversaram sobre o novo Ministério, e o jogador não escondeu preocupações sociais à frente da Pasta. Uma repórter do SBT, desconfiada, interfonou para Juca e perguntou se Pelé estava no recinto. “Mas não basta estar aqui o Presidente da República? Você também quer que esteja o Rei?”. Fechado o compromisso, FHC saiu para outro compromisso e coube a Juca “tourear” os companheiros de imprensa que davam plantão.
Avaliação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “Do trabalho de Pelé no Ministério, entre várias outras iniciativas que beneficiaram o esporte, resultou a Lei Pelé. Análises que me chegaram de diversos setores indicavam que a Lei significou um marco na modernização possível do futebol brasileiro, incluindo o fim da escravidão profissional que era o “passe” dos jogadores. Somente seria aprovada tendo alguém como Pelé à frente. Infelizmente, porém, depois que Pelé deixou o Ministério em abril de 1998 começaram pressões para modificá-la. Mais adiante, uma série de mudanças, promovidas por parlamentares, à frente o senador Maguito Vilela, do PMDB-GO, acabou por desvirtuá-la. Mas é inegável que a contribuição dada por Pelé foi um grande avanço para o futebol brasileiro”.