Nonato Guedes
A primeira semana do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido tumultuada por desencontros na fala de ministros e dissonância no tom das diretrizes que deverão nortear a agenda de reconstrução nacional, e a convocação para hoje da primeira reunião da equipe visa ajustar os ponteiros. O titular da Previdência, Carlos Luppi, já foi “enquadrado” por declarações açodadas sobre pontos de eventuais reformas da Previdência, um tema tabu para os períodos de Lula à frente do Palácio do Planalto, que no passado rendeu dissabores e instabilidade de votos dentro do Congresso Nacional. Alguns auxiliares qualificados têm acertado o figurino e procurado ser mais cautelosos no anúncio de medidas, e os que avançaram nesse anúncio já haviam sido adrede instruídos pelo mandatário sobre pautas que vão se desenrolar, mesmo sob o risco de judicialização.
Há desenvoltura, por exemplo, da parte dos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, que procura conciliar a ênfase da responsabilidade fiscal com o investimento social, da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, que prioriza o combate ao desmatamento desenfreado e à proliferação de “boiadas” nocivas ao desenvolvimento autosustentável que o atual governo persegue. A seu favor, Marina conta com a experiência de ter sido ministra do segmento e de estar focada nas questões ambientais que provocam controvérsias junto à própria comunidade internacional, cuja cobiça pelas riquezas da Amazônia é indiscutível. O ministro da Justiça, Flávio Dino, por sua vez, tem sido o mais operoso até agora, à frente de uma área sensível e delicada que passa pelo envolvimento da Polícia Federal e outros organismos em ações profiláticas indispensáveis. Dino agiu, inclusive, preventivamente, para desarmar bombas de efeito retardado que pudessem afetar a normalidade do governo Lula e comprou uma senhora briga ao mexer no vespeiro do fim do sigilo de documentos oriundos da Era Bolsonaro.
O colunista Josias de Souza, do UOL, insinuou que, remando em sentido contrário a Haddad, colegas dele demonstram que o maior déficit do governo está situado não nas contas nacionais, mas entre as orelhas de certos ministros. “Alguns deles não têm soluções a oferecer. Entretanto, tomados pela incontinência retórica, parecem admirar os problemas”, conceituou. Sobre Carlos Luppi e a reforma da Previdência, Josias analisa que ele repete a fábula segundo a qual o déficit previdenciário não existe – por isso, teve que ser desligado da tomada e admitir que não há nenhuma proposta sendo analisada neste momento para revisão de reforma. No domingo, a coisa parecia fácil, tanto que Lula discursou prometendo reconstruir o que fora destruído por Bolsonaro, enviando na sequência ao Diário Oficial o pacote do revogaço.
“Depois que Lula tirou do caminho armadilhas, tiros e bombas do antecessor, o governo passou a desperdiçar a sua hora confundindo o exame de bolsonarices com a revisão de reformas aprovadas com os votos de três quintos do Congresso Nacional e absorvidas pela sociedade. Em apenas três dias, a frente ampla de Lula ganhou uma incômoda aparência de balbúrdia”, acrescenta Josias de Souza, pontuando: “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa tomar decisões drásticas que diminuam rapidamente o espaço entre seus ministros e o ato de governar, para evitar que se dissemine a impressão de que o novo governo gastará mais tempo e energia falando dos problemas do que enfrentando-os”. Daí, a determinação tomada pelo presidente de convocar para hoje, sexta-feira, a primeira reunião ministerial, a fim de tentar colocar os pontos nos “is” e, ao mesmo tempo, uniformizar palavras, atos e medidas que forem emanadas do novo governo instalado sob eflúvios populares.
Os problemas verificados nestes primeiros dias da terceira administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em certa medida, são justificáveis e compreensíveis. Afinal, a nova gestão está diante de um absoluto cenário de “terra arrasada” que foi legado pelo antecessor Jair Bolsonaro, com desmonte em setores vitais ou estratégicos para a sociedade brasileira, como a Saúde, a Educação, as Finanças, a Ciência e Tecnologia, o Meio Ambiente, a Segurança Pública, etc. Não há um segmento da administração pública brasileira que não tenha sido devastado pela ação deletéria de Bolsonaro e de muitos de seus ministros, descompromissados com o avanço de políticas sociais e econômicas do interesse da maioria da população. Isto, sem falar no ambiente de instabilidade institucional que, doravante, foi alimentado pelos bolsonaristas fanáticos, com atentados à democracia e, ultimamente, com ações violentas a pretexto de contestar a legitimidade do resultado das urnas, apurado em segundo turno de forma a mais transparente possível. O lema “Reconstruir” foi escolhido apropriadamente por Lula para definir esta sua terceira passagem pelo poder federal. E é por isso que a sociedade, por sua representação consciente, atribui a Lula o crédito de confiança para que consiga reverter as maldades infligidas pela desastrada gestão bolsonarista, que não deixou saudades na história do país.