Nonato Guedes
A reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o seu ministério serviu para que o mandatário expedisse vários recados e, ao mesmo tempo, exercitasse o “pragmatismo” na relação que pretende sustentar com o Congresso Nacional. Escaldado com crises políticas que no governo de Dilma Rousseff dificultaram o entrosamento e acabaram gerando o impeachment da primeira mulher governante do país, Lula ressaltou que a boa relação com o Parlamento é vital para o governo e descartou que as divergências entre as Pastas sejam algo negativo. “É preciso que a gente saiba que é o Congresso que nos ajuda, nós não mandamos no Congresso, dependemos do Congresso”, sublinhou ele, recomendando que cada ministro tenha a grandeza de atender bem cada parlamentar que o procure.
De acordo com analistas da mídia sulista, a fala de Lula foi em consonância com uma pauta que ele vem pregando desde a eleição: não negar a política, e muito menos criminalizá-la. “Senão, quando a gente vai pedir um voto, vai falar com um deputado ou senador, ele diz: ‘Eu não vou votar porque fui em tal ministério, nem me receberam, me deram um chá de cadeira de quatro horas’. Eu não quero isso” A orientação repassada por Lula foi a de que cada auxiliar do governo tem a obrigação de manter a relação mais harmônica com o Congresso Nacional, mesmo que eventualmente um ministro ou ministra divirja de um deputado ou senador. “A gente não está propondo um casamento, a gente está propondo aprovar uma tese ou fazer uma aliança momentânea em torno de algum assunto que interessa ao povo brasileiro”, completou.
Lula deu a entender, entretanto, que as relações com o Parlamento não deverão incluir barganhas ilícitas e que quem as fizesse estaria fora do seu governo. Foi uma espécie de alerta preventivo para que o governo petista não incida mais nos erros do passado que ocasionaram escândalos e estragos na imagem do partido e da gestão, como, por exemplo, o caso do mensalão, como foi denominada a “compra” de votos de parlamentares em matérias de interesse do Executivo. Associado ao caso do petrolão, que se deu numa outra área específica, o mensalão ficou como “estigma” para o petismo na narrativa que passou a ser construída sobre a história política recente do país. Curiosamente, o precursor do mensalão foi um “tucano” de fina plumagem, o ex-governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, cujo envolvimento não teve, porém, a repercussão que fustigou cabeças coroadas do PT, colocadas em desgraça desde então no julgamento da própria opinião pública.
Em seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conta com a colaboração decisiva de líderes do PT e do governo no Senado, como Jacques Wagner e Randolfe Rodrigues, este da Rede-AP, que ganhou visibilidade pela sua atuação parlamentar na linha de oposição ao governo Jair Bolsonaro e, posteriormente, pela sua condição de coordenador da campanha de Lula em nível nacional. Esses parlamentares, de reconhecido alto nível, estão incumbidos pelo novo presidente da República de uma missão árdua: promover a mais importante relação que Lula já fez com o Congresso Nacional. O encontro de ontem, em Brasília, foi apropriado para que Lula advertisse que o auxiliar pilhado em irregularidade dentro do seu governo será exonerado, podendo, em situação grave, sujeitar-se a investigações conduzidas pela própria Justiça. Lula foi bastante claro ao falar da sua responsabilidade e da sua equipe “de fazer as coisas da melhor forma possível”. Por assim dizer, conforme vazou, foi uma fórmula de “enquadramento” de ministros e ministras às diretrizes do chefe.
Lula convocou a reunião, também, com o objetivo de alinhar os anúncios do governo e aparar arestas que vinham se sucedendo nesta primeira fase da volta ao poder. Houve divergências explícitas entre ministros e ministras acerca de temas pontuais das respectivas Pastas e, também, sobre o limite de competências dos ministérios na nova estrutura concebida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente sabe, por experiência própria, que uma orquestra desunida é meio caminho para o fracasso de qualquer governo. Por outro lado, durante a recente campanha eleitoral, ele teve a oportunidade de aprimorar seu próprio aprendizado sobre a atividade política no Brasil quando deu partida a um processo de composição, cujo corolário foi a “frente ampla” formada em torno de sua candidatura. Havia um outro objetivo comum por trás dessa mobilização: a defesa da democracia no país, que estava claramente ameaçada pelo viés autoritário do governo Bolsonaro e pelas convocatórias do ex-presidente, de forma insistente, para o apoio a um golpe militar. De resto, um terceiro governo carrega enormes responsabilidades – e desse “script” o presidente Lula tem plena consciência. Em última análise, com os recados e as orientações, Lula busca preservar sua própria carreira política e sua biografia, que começou a ser reescrita quando deixou a prisão, candidatou-se a presidente da República e saiu consagrado nas urnas.