Nonato Guedes
O primeiro mês do terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi assinalado pela convivência com “fantasmas” remanescentes da fase marcadamente autoritária ou golpista da Era Jair Bolsonaro e, no reverso da medalha, por gestos expressivos que sinalizaram mudanças de postura nas relações políticas-institucionais no país. A reunião do presidente com reitores de Universidades, o encontro com governadores de Estados e as medidas tomadas em relação aos povos indígenas yanomamis, vítimas de massacre por parte de agentes do Estado e de líderes de milícias privadas, constituíram sinais de restabelecimento do princípio federativo e de culto ao diálogo com representantes de outros Poderes e expoentes de movimentos da sociedade civil organizada. Foram atos que se revestiram de solidariedade, empatia, abertura a canais de interlocução que ficaram entupidos na aloprada gestão de Bolsonaro (PL).
O governo Lula III teve que se debater, também, com o enfrentamento ao terrorismo patrocinado por bolsonaeristas, que tomou proporções alarmantes no episódio da depredação das sedes dos Poderes em Brasília, numa clara manobra de intimidação à democracia e aos seus apoiadores ou defensores. Ainda agora o “fantasma” da orquestração de um golpe de Estado pelos inconformados bolsonaristas, com o estímulo do ex-presidente derrotado nas urnas, ganha contornos obscuros com revelações sobre conspirações de bastidores para derrubar as instituições. Esses atos, que exigem investigações minuciosas e punições rigorosas contra os envolvidos, tiveram, também, o objetivo de tentar paralisar o governo e emparedar a Justiça e o Poder Legislativo, mas acabaram produzindo reações fortes das autoridades e sentimentos de repúdio por parte da maioria da sociedade, indignada com expedientes de sabotagem adrede calculados para tumultuar o cenário nacional. As instituições reagiram mostrando que são inabaláveis.
A atenção do governo do presidente Lula teve que ser desviada, também, para as eleições de Mesas da Câmara e do Senado Federal, dentro da estratégia de valorizar lideranças comprometidas com as reformas que estiveram no foco da campanha do candidato petista e que precisam ter partida para que não se frustre a esperança depositada no retorno de Lula ao comando do Palácio do Planalto. Evidente que a prioridade passou a ser a manutenção do edifício constitucional como condição sine qua non para viabilizar a governabilidade pretendida, em meio ao atendimento de demandas que ficaram expostas a olho nu na campanha eleitoral. Foi por conta desses fatores supervenientes que o governo teve que fixar novas datas para a elaboração da nova regra fiscal e para a construção de uma política de valorização do salário mínimo. Em relação a esta última questão, será criada até abril uma comissão para elaborar proposta alusiva ao tema, que em seguida será encaminhada para análise do Parlamento.
Na mensagem que enviou ao Congresso Nacional na reabertura dos trabalhos legislativos, o presidente Lula citou, entre diversos temas, e, por diversas vezes, a fome no país ao mencionar os principais objetivos do governo. “É preciso tirar o pobre da fila do osso e recolocá-lo no Orçamento. Caso contrário, jamais conquistaremos a verdadeira democracia”, explicou. A reforma tributária voltou a ser colocada como meta para o ano, como já adiantado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Lula disse que o governo irá apresentar, ainda em 2023, propostas para elevar a qualidade da educação básica, ampliar a oferta de creches e expandir a educação em tempo integral. Ele fez referência, ainda, à construção de regras para um novo sistema sindical e de proteção ao trabalho com “diálogo tripartite” entre o governo, centrais sindicais e empresariais. Na prática, o presidente está recolocando agendas ou pautas que ja poderiam estar equacionadas se houvesse sensibilidade por parte do desastrado governo de Bolsonaro.
O governo Lula III está sendo timbrado pelo signo da reconstrução – e Lula já deixou claro que para se alcançar esse desideratum se fará necessária a harmonia entre os três Poderes. “Volto a me dirigir ao Parlamento para propor uma atuação harmônica, ainda que independente, em favor da reconstrução do Brasil. Reconstrução urgente e necessária porque o Brasil e o povo brasileiro foram submetidos, nos últimos quatro anos, a um estarrecedor processo de fragilização das instituições e de negação de direitos e de oportunidades”, expressou o presidente da República no texto da mensagem. O diagnóstico que o atual governo tem feito sobre a extensão da herança maldita que foi legada por Bolsonaro está perfeito e é entendido, sem problemas, pela maioria da sociedade brasileira, ávida por decisões que mudem a realidade parasitária que foi imposta. A trégua que tem sido dada a Lula faz parte da quota de sacrifícios dos que apostam na “revolução”. Fica a expectativa sobre respostas eficazes por parte do governo no curto prazo, já que esta é a sua missão, tal como se depreende da leitura das urnas de 2022.