Nonato Guedes
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parece compenetrado de que o destino lhe deu uma nova e grande chance recolocando-o no comando da Nação e não quer estragar sua biografia, sobretudo por injunção de terceiros. Segundo uma reportagem da “Folha de São Paulo”, ele tem repetido a aliados não querer enfrentar outro escândalo como o do mensalão, principal caso de corrupção do primeiro mandato do petista e até hoje fonte de desgaste para o partido. A avaliação tem sido feita, em tom reservado, a assessores próximos, segundo informam os jornalistas Thiago Resende e Catia Seabra. Nas conversas, o presidente pede empenho na fiscalização e controle do governo e também destaca que todos têm responsabilidade no combate à corrupção. No episódio do mensalão, Lula foi acusado pelos adversários de “leniência”, supostamente para proteger “companheiros” do PT envolvidos.
O mensalão e o petrolão feriram fundo o dogma do PT no campo da ética, em que procurava se diferenciar de legendas tradicionais do sistema partidário brasileiro. Muito do esvaziamento eleitoral ou de quadros, experimentado pelo PT nos últimos anos, tem a ver com escândalos não totalmente esclarecidos. A “Folha” revela depoimentos de pessoas que acompanham o petista, de que Lula tem demonstrado a intenção de consolidar sua biografia com o terceiro mandato à frente do Palácio do Planalto, tentando se firmar como o líder popular que derrotou a extrema direita no país e reduzir o peso eleitoral que antigos casos de corrupção tradicionalmente impõem ao PT. A pretensão do presidente pode esbarrar, porém, na aliança por ele firmada com o Centrão, o que inclui a nomeação em postos-chave em empresas que já foram alvo de denúncias de irregularidades.
A reportagem acrescenta que petistas reconhecem que o assunto corrupção é uma vulnerabilidade do partido. O tema – acreditam esses petistas – teve peso na votação apertada em outubro do ano passado, quando Lula venceu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por 50,9% dos votos válidos contra 49,1%. Fontes privilegiadas que conversaram com ele durante a formação do novo governo e no início da gestão disseram que Lula reconhece os erros cometidos nas gestões anteriores e hoje, com 77 anos, tem reafirmado que não há espaço para erros nessa etapa da sua trajetória. O mensalão foi um esquema ilegal de financiamento político em troca de apoio parlamentar no primeiro mandato de Lula, entre 2003 e 2006. Foi revelado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) em entrevista à “Folha”. O discurso do presidente foi se ajustando ao longo do tempo até que ele passou a admitir os erros no governo mas sem apontar culpados. Para aliados, o terceiro mandato é fundamental para que casos de corrupção com o mensalão se descolem da imagem de Lula, até porque adversários dele usam frequentemente denúncias de corrupção nos governos do PT como munição para atacá-lo.
Na campanha de 2002, uma das principais estratégias de Bolsonaro consistiu em associar Lula a casos de corrupção, esperando, com isso, aumentar a rejeição do petista. O ex-mandatário e aliados frequentemente se referem a Lula como “ex-presidiário”, numa alusão aos 580 dias que o petista permaneceu preso em decorrência de condenação na Operação Lava-Jato, posteriormente anulada. Como resposta, a estratégia eleitoral do PT foi defender mecanismos anticorrupção criados nos governos de Lula e Dilma Rousseff. Durante a campanha, Lula foi questionado sobre o mensalão no Jornal Nacional, da Rede Globo, e, como resposta, insistiu no discurso de que o governo petista criou mecanismos de investigação que expuseram casos de corrupção. Durante a campanha, Lula chegou, inclusive, a apresentar medidas de Dilma e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) como suas. Foi o caso da Lei Anticorrupção, que responsabiliza empresas por crimes contra a administração pública, sancionada por Dilma em 2013. Outro exemplo é a criação da Controladoria-Geral da União-CGU, fundada pelo tucano em 2001.
Hoje, esses dois instrumentos – CGU e Lei Anticorrupção – devem ser usados para reforçar o sistema de fiscalização do governo e uma ideia é ampliar a atuação do órgão de controle, que tem escritórios em todos os Estados, em investigações da Polícia Federal. Integrantes do governo Lula acreditam que, com a ampliação das investigações, haverá uma inibição a práticas ilícitas, além de aumentar as chances de acordos de leniência e denúncias de irregularidades. Em entrevista à CNN Brasil na quinta-feira última, Lula foi questionado sobre qual será o critério para decidir se um integrante do governo será exonerado ou não quando houver denúncia de irregularidades. O presidente ressaltou a importância da CGU nesse processo. Entre os condenados no mensalão estavam líderes de partidos hoje ligados ao bolsonarismo, mas o impacto respingou, sobretudo, no Partido dos Trabalhadores e nos seus expoentes acusados. Lula quer virar essa página em definitivo, como quem cumpre uma missão.