Nonato Guedes
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que protagonizou uma saída merencória do Brasil, fugindo para os Estados Unidos no final do ano passado para não entregar a faixa ao sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que o derrotou nas urnas, no segundo turno das eleições, ensaia sucessivos enredos para voltar à cena política nacional e ocupar o papel de líder da oposição ao lulismo, mas protela o quanto pode o projeto de retorno por insegurança quanto a processos que terá que responder na Justiça, já despojado da imunidade que o cargo lhe confere. Na prática, Bolsonaro está na “berlinda”. Avalia-se, nos meios políticos e jurídicos, que se a possibilidade de decretação de prisão dele por abusos de poder e outros atos incompatíveis com a função exercida parece complicada, do ponto de vista da confirmação de elementos comprometedores que o envolvam, por outro lado o fantasma da inelegibilidade está no radar, inabilitando-o para a retomada de mandatos eletivos por um certo período.
Há acusações contra Bolsonaro que tratam de crimes de responsabilidade, como os que lhe são atribuídos e que teriam sido cometidos no seu governo durante a pandemia de covid-19 e há pendências na esfera da Justiça Eleitoral, território onde pretensões políticas mais imediatas do ex-presidente poderão ser afetadas ou mesmo derrubadas. Interlocutores do ex-mandatário não têm dúvidas de que, depois de ter contestado inutilmente o resultado eleitoral que lhe foi desfavorável, a ambição número um de Bolsonaro é a de voltar à Presidência, em 2026, na crista de um suposto desgaste do terceiro governo empalmado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Terá que esperar muito, entretanto, e sem qualquer indício de que venha a triunfar novamente nas urnas, além de enfrentar ameaça de inelegibilidade que o porá de quarentena no processo político brasileiro. A inexistência de brechas para abreviar a quarentena no poder é a hipótese que mais desagrada ao ex-presidente, diante da perspectiva de que ele não venha a ser lembrado para liderar a oposição.
Num passo político aparentemente estratégico para tentar contornar os obstáculos, o ex-presidente concordou com a volta da sua mulher, Michelle, e com a estreia dela no palco dos acontecimentos, na condição de presidente do Partido Liberal Mulher. Michelle ganhou relevância na Era Bolsonaro pela ação desenvolvida, principalmente, junto aos segmentos evangélico e feminino, e é respeitada pelo poder de fala que consegue deter, mas há dúvidas sobre se o seu discurso teria alcance fora dos limites da “bolha bolsonarista” a que ela se dirige, cimentada nas franjas do eleitorado conservador ou de direita. Por outro lado, a ex-primeira-dama nunca foi objetivamente testada em embates eleitorais, ainda que tenha participado no ano de 2022 das campanhas vitoriosas de candidaturas bolsonaristas. Havia oportunidade, no período do governo, para uma massificação ampla da sua imagem, de modo a colocar Michelle como “Plano B” ante impedimentos do marido, mas esse trabalho de marketing não foi propriamente realizado.
De resto, Michelle Bolsonaro, conforme “experts” em política, carece de conteúdo mais afirmativo para empolgar parcelas crescentes do eleitorado, correndo o risco de, à falta de perspectiva de Poder, enfrentar perdas no entorno do bolsonarismo. Já há casos, desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de defecções na órbita bolsonarista, bem como de afastamentos declarados de ex-aliados que ainda sobrevivem graças a parcelas de poder que detêm nas mãos em Estados influentes. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, já cumpriu agenda com o presidente Lula em momento difícil, no socorro aos desabrigados de enchentes no Estado. Gestores de outros Estados que concorreram na “onda bolsonarista” estão priorizando suas próprias demandas atuais e, no Congresso Nacional, entre partidos que compunham a base governista, tem sido desenfreada, dia após dia, a escalada do tropismo em direção ao Palácio do Planalto, com as vantagens que ele oferece. Nas eleições municipais de 2024, o bolsonarismo deverá despontar enfraquecido, conforme prognósticos que já são correntes.
Parlamentares conservadores ou da direita mais moderada, que atuam como vozes respeitáveis na conjuntura política-institucional vigente, movimentam-se à procura de líderes menos extremados nesse campo ideológico para compor o painel dos cenários futuros, no chamado pós-Bolsonaro. O ex-presidente só mantém a fidelidade canina dos chamados “bolsonaristas-raiz”, que se identificam com seu estilo agressivo de fazer política, baseado na disseminação de “fake news”, não no debate de conteúdo sobre os desafios cujo equacionamento a sociedade reclama. A reconfiguração de espaços políticos na cena nacional é tida como inevitável pelos analistas da mídia, havendo forte expectativa quanto ao desempenho de novos senadores e deputados federais que tomaram assento nas Casas do Parlamento. O futuro de Bolsonaro é uma incógnita – e o futuro do bolsonarismo não é menos incerto. Como o vácuo será preenchido é a grande pergunta que se faz, em meio a indefinições de toda ordem, valendo o registro de que nem todas as fichas estão mais depositadas exclusivamente em Bolsonaro para esse projeto de retomada do poder.