Nonato Guedes
A visita, ontem, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos Estados da Paraíba e de Pernambuco contrariou, de certa forma, o script oficial quanto ao ganho político para o governo, que foi ofuscado por fatores supervenientes. A crise política gerada a partir de Brasília, com repercussão das ameaças de morte por facções criminosas contra o senador e ex-juiz Sergio Moro, no rescaldo de um embate pessoal entre o mandatário e o parlamentar, que foi seu algoz na “Lava Jato”, “fechou” o clima fazendo com que, na Paraíba, Lula não falasse em público, frustrando apoiadores e espectadores de um evento de inauguração do complexo Eólico e Solar em Santa Luzia, no Vale do Sabugy. No Recife, houve incidentes no “Geraldão” no lançamento do Programa de Aquisição de Alimentos, com vaias à governadora Raquel Lyra (PSDB) e a reação de Lula em defendê-la, ainda que por duas vezes tenha se referido à tucana como “adversária”.
O presidente deixou claro: “Precisamos conviver ate com adversários. A governadora pode ser nossa adversária política, mas ela é governadora do Estado”. O esforço de Lula foi para conter o ímpeto da militância lulopetista, que ainda não desceu do palanque das eleições de 2022 num Estado marcado por forte polarização ideológica desde sempre. Lula pediu respeito, enfatizando: “Quando vocês estavam vaiando a governadora, vocês estavam me vaiando”. Na Paraíba, o clima foi menos tenso entre adversários políticos que posaram para fotografias no mesmo metro quadrado, embora nos bastidores pipocassem emulações e desentendimentos na luta por prestígio junto ao presidente da República. O silêncio de Lula em nosso Estado foi atribuído ao fato de que a obra inaugurada não era propriamente uma ação de governo, ainda que tivesse incentivos deste, mas é possível que o presidente, assoberbado por problemas, não se sentisse motivado a discursar.
No paralelo, o governador João Azevêdo (PSB), aliado de primeira hora, e outros políticos presentes, com broches de senador ou deputado federal, aproveitaram momentos com Lula para reiterar cobranças sobre investimentos estruturantes no Estado. Uma postura legítima – afinal, o próprio chefe da Nação havia pedido indicações e sugestões de projetos de impacto para o desenvolvimento de Estados da região a fim de que pudessem ser ativados com o suporte do governo federal. A pauta do governador João Azevêdo, presidente do Consórcio Nordeste, foi mesmo consolidada em documento conjunto que foi entregue ao presidente da República. Lula continua devedor à Paraíba e a outros Estados neste terceiro mandato talvez porque o Planalto ainda esteja enfrentando problemas de entrosamento nos ministérios e de definição de recursos para tocar obras. Isto faz com que a administração fique engessada.
É de se levar em conta, também, que o governo está refém de cúpulas no Congresso, principalmente na Câmara dos Deputados, no que diz respeito à tramitação de uma agenda que destrave proposições de interesse público e de urgência que estão encalhadas nos gabinetes influentes. Ontem, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) não aceitou a proposta de acordo com o Senado para o rito de tramitação de Medidas Provisórias no Parlamento. A proposta de acordo havia sido apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e, sem a perspectiva de acordo no curto prazo para a tramitação das MPs instalou-se a primeira crise institucional do governo Lula. Estão paralisadas, com o risco de caducar, medidas como a que altera o organograma da máquina política e das novas regras para o Bolsa Familia, assim como os programas Mais Médicos e Minha Casa, Minha Vida. O ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, entrou no circuito para contornar o impasse, mas Lira segue intransigente. Ele é, mesmo, o grande calo do governo Lula III no Congresso Nacional.
Em meio às crises artificiais ou não que estão sendo produzidas a partir de Brasília, alega-se que há insatisfação de grande parte da classe política com a demora do governo em nomear apadrinhados políticos para cargos estratégicos nos Estados. Esse processo está sendo feito a conta-gotas, numa lentidão maior do que a esperada pelos diversos grupos que lutam por nacos de poder na estrutura federal. Tudo isso demonstra que não está sendo fácil para o terceiro governo Lula deslanchar efetivamente, até porque não há segurança quanto à maioria governista no Parlamento, o que já foi advertido, lá atrás, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Como toda crise é, aparentemente, didática, pode ser que o contencioso de agora sirva para uma guinada na rota do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornando o governo mais operante e lidando com mais habilidade na negociação com os representantes de partidos na Câmara e no Senado. A visita de ontem ao Nordeste, seguramente, não foi a viagem dos sonhos planejada por Lula para o reencontro com uma Região que lhe deu consagração nas urnas nos dois turnos da campanha de 2022.