Nonato Guedes
Não deixa de ser uma novidade no cenário político brasileiro o perfil que o Partido dos Trabalhadores (PT) passou a incorporar, deixando de ser o agrupamento do “amém” ao governo para se tornar mais crítico e ofensivo em relação a políticas públicas ou medidas adotadas por ministros e auxiliares da administração que estejam em desacordo com o legado agitado na campanha eleitoral pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os embates sustentados pela própria presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e por parlamentares como o deputado paraibano Lindbergh Farias (PT-RJ) contra o comando do Banco Central e em colisão com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicam uma mudança importante no figurino tradicional que é reservado a partidos da base governista. O PT, ao mesmo tempo, está indo para a linha de frente, nas redes sociais, do combate aos remanescentes bolsonaristas, o mesmo se dando nas trincheiras do Parlamento.
Com o comportamento que adota, o PT passa a ser uma espécie de “ombusdman” do governo na instância legislativa, zelando para que não sejam desfigurados os compromissos encampados pelo candidato Lula, que tiveram credibilidade e impacto para selar a vitória deste contra Jair Bolsonaro, o primeiro presidente a não conseguir a reeleição na história política recente do país. É evidente que o PT não está assumindo uma posição aberta de confronto com o governo, pois não interessa aos seus expoentes desestabilizar a terceira gestão de Lula, instalada após o jejum que se seguiu ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. Graças à reinvenção que tem buscado no contexto partidário o PT revela-se mais atuante como debatedor das grandes questões nacionais, procurando influenciar na tomada de decisões ao invés de ser mero amplificador das loas ao governo, mesmo quando este se equivoca ou toma medidas inaceitáveis.
O deputado Lindbergh Farias chegou a desagradar publicamente o ministro Fernando Haddad quando comparou a proposta do novo arcabouço fiscal à tentativa de pacto demoníaco descrita na obra de Guimarães Rosa, “O Grande Sertão Veredas”. O deputado assim explicou: “Eu me lembro do Grande Sertão Veredas, em que o Riobaldo tenta vender a alma ao diabo e o diabo nem responde. É mais ou menos o que está acontecendo com o arcabouço”. Segundo a revista Fórum, o ministro Haddad teria considerado a manifestação de Farias um ato de deslealdade do deputado, que não o havia procurado para discutir tecnicamente o plano antes de ir à imprensa fazer um ataque tão veemente. Para Fernando Haddad, o “ataque grosseiro” não ajudaria a fazer um debate que ele considera necessário no campo progressista, o de mérito. E de quais seriam os caminhos para, na atual correlação de forças políticas, conseguir aprovar uma proposta mais ousada do que a do arcabouço fiscal no Congresso Nacional.
Na prática, o comportamento ofensivo que é encampado por representantes do Partido dos Trabalhadores na Câmara e no Senado tem a ver, também, com a ampla coalizão política que foi formada pelo presidente Lula para dar sustentação ao terceiro mandato. Esse pacote incluiu a cessão de ministérios estratégicos como o das Comunicações a um representante do União Brasil, Juscelino Filho, envolvido em acusações que acabaram sendo relevadas pelo presidente da República depois que o auxiliar ofereceu esclarecimentos aparentemente satisfatórios, na versão oficial. Há ministros filiados a outros partidos que possuem divergências de concepção com o PT e com o próprio Lula a respeito de temas candentes que são enfrentados na presente conjuntura. A titular do Planejamento, Simone Tebet, que foi candidata a presidente pelo MDB, tem opiniões próprias e firmes que não deixa de expor, em meio ao malabarismo para se sustentar no governo de Lula e para evitar dissensões mais graves que comprometam a unidade da equipe perseguida pelo mandatário como condição indispensável para o sucesso do governo.
Lula tem procurado administrar esse contencioso valendo-se ao máximo da sua habilidade política e da reconhecida capacidade de arbitrar conflitos. Quando a situação evolui para a radicalização, o presidente faz-se árbitro de litígios suscitados dentro da sua equipe, invocando a prerrogativa de direito de uso da palavra final sobre decisões consideradas imprescindíveis. A grande expectativa sobre o esforço de diplomacia que Lula exerce, juntamente com emissários de sua confiança, está no teste das votações de matérias cruciais para o governo no plenário do Congresso Nacional. Essas votações estão sendo retardadas enquanto se busca, nos bastidores, a produção de consensos valiosos, e também porque algumas das propostas estão em fase de arremate por parte do governo. Quanto ao PT, não tem sido desautorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas sabe que o limite da sua postura ofensiva é a governabilidade, que Lula não admite colocar em risco sob nenhuma hipótese, depois da dura jornada para voltar ao poder, que ele encetou.