Nonato Guedes
Enquanto ensaiava seu retorno ao Brasil, depois do “exílio” nos Estados Unidos para onde fugiu a fim de não passar a faixa a Luiz Inácio Lula da Silva, vitorioso nas urnas em 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conviveu de forma aflitiva com dois temores: o de ser preso, no bojo de inúmeros processos agitados contra ele por desídia administrativa, e o de ser declarado inelegível por até oito anos, com perda de direitos políticos nesse período. A prisão ainda é uma possibilidade bastante remota no horizonte, tanto assim que Bolsonaro, finalmente, resolveu voltar ao território nacional e reintegrar-se à vida partidária, para fazer jus, em companhia da mulher, Michelle, a gordos salários derivados de cargos honoríficos dentro do PL, bancados com recursos dos Fundos constitucionais. Mas a espada da inelegibilidade pende sobre sua cabeça e assusta apoiadores que se misturam com fanáticos do segmento de extrema-direita no cenário ideológico brasileiro.
Cogitou-se que Bolsonaro retornara ao Brasil, também, para tentar reanimar a sua militância, agitando-a com a perspectiva de retomada triunfal do Palácio do Planalto. Nesse sentido, o ex-presidente funcionaria como um ativo político-eleitoral importante, decisivo mesmo, nas eleições municipais de prefeitos em 2024, sobretudo em Capitais de destaque, no papel de cabo eleitoral de luxo de pretendentes que estão órfãos de guarda-chuva e de votos para polarizar as disputas do próximo ano. O exercício da especulação é livre, ainda que haja um limite para sua veracidade, condicionado à concretude de atos e fatos. Mas as expectativas triunfalistas esbarram na dura realidade, quando se anuncia para as próximas semanas o julgamento no TSE da inelegibilidade do ex-capitão, por provocação da Procuradoria-Geral Eleitoral.
O principal elemento que ameaça a situação de Bolsonaro diz respeito à reunião promovida por ele em julho do ano passado com embaixadores de vários países com o fito de denunciar suposta ameaça de fraude no resultado dos votos colhidos nas urnas eletrônicas. Foi um ato impatriótico e irresponsável porque baseado exclusivamente em ilações orquestradas pela mente doentia do ex-presidente da República e sua turma mais fanática, sem qualquer arrimo em fatos concretos. Chamado à colação, Bolsonaro não apresentou provas – como, de resto, não as tinha, tentando escafeder-se pela via da construção de raciocínios tortuosos e hipotéticos em clara manobra de desmoralização do sistema eleitoral do país. O mesmo sistema pelo qual Bolsonaro se elegeu à Câmara dos Deputados por sucessivas vezes, lá não conseguindo se destacar, o que o pôs na companhia de obscuros parlamentares do chamado baixo clero no Congresso Nacional.
Apurou-se que nos últimos dias a defesa do ex-presidente Bolsonaro junto às ações impetradas no Tribunal Superior Eleitoral contra ele por atos de perjúrio e manipulação insidiosa tentou moderar o tom das desastradas intervenções suscitadas por Bolsonaro nas proximidades da campanha em que tentou a reeleição e entrou para a História como o primeiro presidente, no período recente, a não conseguir a proeza da recondução, equivalente a uma aprovação plebiscitária. Prevê-se que os advogados de Bolsonaro tentarão ao máximo esticar a corda, com embargos de declaração e até expedientes casuísticos, na orquestração para ganhar tempo e evitar que o veredicto desfavorável a ele seja proclamado quanto à futura elegibilidade. Mas consta que as Cortes Superiores, escaldadas de mecanismos protelatórios, tendem a ser céleres e diligentes no julgamento da querela, sem deixar de respeitar os cânones democráticos contra os quais o ex-presidente se bateu melancolicamente na sua passagem pelo poder.
O que intranquiliza aliados e apoiadores bolsonaristas em vários Estados é a sensação de orfandade política para a disputa presidencial de 2026, que, embora distante, já começa a ensejar articulações de bastidores, dentro da estratégia de acumular forças com vistas à retomada do Palácio do Planalto. Na hipótese de Bolsonaro tornar-se inelegível para os embates futuros, não há nomes de expressão capazes de segurar a bandeira e sensibilizar os direitistas xenófobos que choram pela ausência de representatividade. O nome da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro já começa a passar por fritura em fogo brando, apesar do entusiasmo com que ela chegou a se movimentar para tentar ocupar os espaços que o marido já ocupou no panorama brasileiro. O nome do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, não é levado em consideração porque as versões são de que ele não tem interesse em se aventurar à Presidência da República, preferindo apostar fichas numa recandidatura ao Executivo paulista. Outros nomes mencionados não têm repercussão nacional nem exalam sinais de carisma para se impor no vácuo que está firmado dentro das forças conservadoras. Todas as atenções se voltam para o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral, em cujas mãos está o destino de Bolsonaro, que tanto duvidou da eficácia da Justiça Eleitoral no Brasil.