Nonato Guedes
O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, do PSB, que acumula o posto com o ministério da Indústria e Comércio, demonstra comportamento exemplar de lealdade para com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na terceira vez em que é alçado à titularidade, em decorrência de compromissos do mandatário no exterior. Essa postura se reflete em pequenos detalhes, como a renitente recusa em sentar na cadeira do presidente, apesar de sugestões de Lula para que praticasse o simbolismo. Alckmin, que foi rival de Lula no passado, no embate das urnas, quando era filiado ao PSDB, superou antagonismos e compôs com o petista a “grande concertação política” de que este falou para respaldar seu projeto de derrotar Jair Bolsonaro e o bolsonarismo.
Colabora, também, para o bom entrosamento entre presidente e vice, o espírito de cordialidade de Geraldo Alckmin, combinado com a habilidade e o carisma de Lula, cuja capacidade de atrair adesões é reconhecida e proclamada nos meios políticos. A escolha de Alckmin para companheiro de chapa de Lula foi estratégica na perspectiva de atrair segmentos conservadores liberais e de centro que ainda mostravam-se refratário à ideia de um terceiro mandato do líder petista, em meio a uma orquestração regada a fake news que foi disseminada, de forma abundante, pelo decaído presidente e por seus apoiadores fanáticos, nas redes sociais. O ex-governador de São Paulo segue o figurino dos substitutos que se dedicam a cumprir missões e a guardar o lugar do titular. Mas tem ido além disso, desbravando pontes com o empresariado, articulando-se com segmentos militares e facilitando o relacionamento da classe política com o governo de Lula.
Já na primeira viagem de Lula ao exterior, em janeiro, Lula insistiu para que o seu vice trabalhasse em sua sala, usasse sua mesa e se sentasse em sua cadeira que, segundo ele, “não morde, mas afaga”, como registra a mídia sulista. Alckmin respondeu que usaria a sala, mas a cadeira jamais. E lembrou que nunca usou a cadeira de Mário Covas, já falecido, quando ele, então tucano, era seu vice no governo paulista entre 1995 e 2001. “A cadeira é do presidente”, sentenciou. Lula gosta de repetir essa história em conversas reservadas e a contou, em tom bem humorado, aos 27 governadores antes da primeira reunião com o grupo, que aconteceu logo depois do retorno da viagem a Buenos Aires e Montevidéu, no começo do ano. Conforme analistas políticos, manter distância da cadeira presidencial é mais um dos gestos de Alckmin para demonstrar lealdade e evitar melindres após a traumática transição entre Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, que até hoje é chamado de “golpista” pelos petistas.
O ex-governador paulista, que disputou a presidência contra Lula em 2006 e construiu sua carreira no PSDB, manteve, nestes pouco mais de 100 dias de governo, um alinhamento total com a agenda e narrativas de Lula, cumprindo de forma disciplinada todas as missões designadas a ele em múltiplas frentes. Seus discursos, mesmo quando na condição de ministro, quase sempre começam com o preâmbulo “sob a liderança do presidente Lula”. Como presidente em exercício, Alckmin cumpriu 53 agendas nas três vezes em que o titular foi para o exterior. Nessas passagens, aproveitou a liturgia do cargo para afagar políticos de partidos de oposição que não têm pontes com Lula e o PT, além de se reunir com lideranças do seu partido, o PSB. No momento em que os articuladores de Lula tentam consolidar uma base no Congresso e se equilibram nas divisões do Centrão, o presidente em exercício recebeu políticos como os senadores Laércio Ribeiro (PP-SE), Efraim Filho (União Brasil-PB), Carlos Vianna (Podemos-MG) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), além dos deputados Fernando farias (PSD-MG) e Simone Marquetto (MDB-SP).
Além de construir pontes com o empresariado, em especial o segmento do agronegócio, que ainda resiste a Lula, o vice-presidente entrou ao lado do ministro da Defesa, José Múcio, na força-tarefa criada para distensionar a relação com os militares. Como coordenador do programa de estruturação da indústria da Defesa, Alckmin mantém linha direta com os comandantes das Forças Armadas, que pleiteiam recursos para o programa Astros 2020, um sofisticado e caro sistema de lançadores múltiplos de mísseis. Nos finais de semana em que fica em Brasília, o vice-presidente mantém um hábito antigo: encontrar amigos e aliados em padarias da região. Já quando vai a São Paulo, seu passatempo é outro: capinar o terreno do seu sítio em Pindamonhagaba. Lula não esconde a confiança que deposita em Geraldo Alckmin – cogitado, aliás, como alternativa á Presidência da República na hipótese do petista não tentar novamente a reeleição.