Nonato Guedes
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva finalmente cedeu ao bom senso e anunciou apoio da bancada do PT à instauração de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), encarregada de investigar os atos golpistas de oito de janeiro em Brasília, quando da invasão e depredação de sedes dos Poderes, em evidente afronta à Constituição e explícita manifestação de terrorismo político. A gota d’agua para a mudança de postura foi o vazamento de gravações que exibiram o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, interagindo no Palácio do Planalto com invasores durante os ataques. Até então, o governo encarava a ideia de CPMI como orquestração de parlamentares bolsonaristas para criar fatos artificiais e confundir a opinião pública, mas o argumento não se sustentava diante da gravidade de intercorrências que exigiam investigação absolutamente transparente.
Havia, também, o entendimento do governo de que era satisfatório o ritmo de investigação dos inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal. No entanto, a possibilidade de envolvimento de membros do GSI nas invasões passou a requerer uma abertura maior para a exposição dos fatos ocorridos. “Nós queremos uma apuração ampla, geral e irrestrita, doa em quem doer”, explicou, desta feita, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), parafraseando o trecho icônico da Lei da Anistia de 1979, como observou uma reportagem do “Congresso em Foco”. De mais a mais, a pressão de parcelas da opinião pública, mesmo daquelas que apoiam o governo Lula, sempre foi forte para o esclarecimento dos fatos de uma vez por todas, a fim de que fosse virada uma página obscura da História Republicana. A ordem, agora, é colaborar com a celeridade das investigações no âmbito do Congresso Nacional.
A decisão se deu após o governo se reunir com lideranças do seu círculo próximo de partidos aliados, que também manifestaram preocupação em apurar o conteúdo da gravação, além de garantir a presença na comissão para evitar que a oposição a transforme em palanque. José Guimarães afirmou: “Atos que acontecem após o que aconteceu no dia 8 devem ser no sentido de consolidar a democracia”, acrescentando que a atuação do governo dentro da CPI servirá para “parafusar, regular e saber mesmo os verdadeiros culpados”. Na tribuna do plenário, ao reforçar seu discurso, o líder Guimarães foi enfático: “Já que querem fazer a CPMI vamos estar dentro dela, e vamos investigar tudo. Vamos trazer para dentro da investigação todos aqueles que se esconderam nas redes sociais, que patrocinaram e que financiaram os ônibus para saber quem é o responsável pelo atentado contra a democracia brasileira”. Houve, nessa declaração, firmeza da parte do representante do governo, reconhecendo o que de fato existiu: um atentado contra a democracia. Não se justificava que o governo Lula, comprometido até a medula com a defesa das instituições democráticas, tergiversasse no quesito das apurações de fatos comprometedores que tiveram repercussão internacional.
Além da preocupação com relação ao conteúdo da gravação que rompeu a confiança de membros do governo com o próprio ex-ministro Gonçalves Dias, José Guimarães chamou a atenção para a necessidade de investigar a origem do vazamento. “Como pode um vídeo desses ser divulgado sem o governo saber? Sem o GSI saber? No mínimo, isso merece uma investigação”. Verdade é que o governo do presidente Lula, apesar de ter tomado medidas para desmilitarizar gabinetes estratégicos no Palácio do Planalto, ainda está minado, por dentro, pela ação de remanescentes do bolsonarismo que não têm o menor compromisso com a legalidade democrática e que apostam, mesmo, no caos, ou no quanto pior, melhor, seguindo a estratégia que o ex-presidente, durante quase todo o mandato, perseguiu, no sentido de executar um autogolpe para atribuir-lhe poderes extraordinários, ditatoriais mesmo, semelhantes aos que foram enfeixados no AI-5 e em outros atos de exceção editados na plena vigência da ditadura militar que infelicitou a Nação no período entre 1964 e 1985.
Urgia, portanto, que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tivesse pulso para desvendar os subterrâneos dos acontecimentos trágicos que se verificaram, indicando nomes de envolvidos que precisam pagar pelos atos criminosos, ofensivos à soberania nacional. Desde o início não cabia vacilação por parte do governo federal em relação a esse ponto, e ainda que o Supremo Tribunal Federal esteja apurando denúncias, nada impede que outros instrumentos sejam mobilizados para elucidação completa das manifestações golpistas. É isto que a sociedade espera, independente de posições políticas ou partidárias – a verdade, somente a verdade.