Nonato Guedes
Em análise publicada no “Congresso m Foco”, o consultor político Antônio Augusto de Queiroz, ex-diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e coordenador da publicação “Cabeças do Congresso”, avalia que o desafio do presidente Lula neste terceiro mandato é repetir, em condições adversas, o que fez nos dois primeiros, em que combinou, pela primeira vez no Brasil, crescimento econômico, redução de desigualdades e equilíbrio das contas públicas. A diferença, conforme ele, é que a herança deixada por Michel Temer e Jair Bolsonaro é infinitamente pior que a deixada por Fernando Henrique Cardoso, a começar por marcos regulatórios que reduziram ou mesmo retiraram a capacidade do governo de fazer entregas, como as restrições fiscais e o engessamento das estatais para contribuírem com as políticas públicas.
Enfatiza Queiroz: “Os governos Temer e Bolsonaro, além das amarras fiscais e das restrições impostas à atuação das empresas estatais, desregulamentaram direitos, desmontaram a máquina pública e desativaram os mecanismos de fiscalização e controle do Estado – especialmente em questões trabalhista, ambiental e de direitos humanos, e também entregaram a gestão do orçamento aos partidos fisiológicos do Congresso Nacional, que ganharam um poder extraordinário sobre o Poder Executivo”. Acrescenta que, além disto, neste terceiro mandato, o presidente Lula herdou um país dividido e com excesso de demandas em todas as áreas de atuação do Estado, além do Congresso e de setores de mercado, viciados pelas concessões feitas pelos governos anteriores, que agradaram a ambos em troca de apoio para concluir seus mandatos.
De um lado, as concessões feitas por aqueles governos aos partidos em troca de apoio no Congresso, como o aumento exagerado dos fundos eleitorais, partidários e das emendas parlamentares, inclusive com o orçamento secreto, e a entrega da gestão do orçamento público aos partidos do Centrão, deram um poder extraordinário a essas forças políticas, majoritariamente formadas por partidos conservadores e controlados pelo mercado, fazendo delas um vetor de resistência à aprovação e implementação da agenda progressista referendada pelas urnas na eleição presidencial de 2022. De outro, a desregulamentação da economia e das relações de trabalho, combinada com a desativação da fiscalização do Estado em todas as áreas naquele período, deram ao mercado o discurso de que o país precisa de previsibilidade e de segurança jurídica e que, portanto, a revisão de marcos legais, mesmo aqueles completamente absurdos, como o voto de qualidade ao contribuinte no CARF, caracterizaria ausência de incentivo ao investimento ou perseguição ao mercado. “É um desafio e tanto”, considera Antônio Augusto de Queiroz.
Pelo seu raciocínio, para fazer as entregas que prometeu na campanha, o presidente Lula terá que superar muitos obstáculos, sobretudo de natureza política. Nesse particular, precisa reforçar dois setores: a comunicação e a coordenação de governo, pois na área econômica já conta com uma equipe de qualidade, formada por Fernando Haddad na Fazenda, Simone Tebet no Planejamento e Geraldo Alckmin no Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço, e que possui boa aceitação no mercado, na mídia e no Parlamento, apesar da postura divergente do presidente do Banco Central, indicado pelo governo anterior para um mandato de quatro anos que se encerra em dezembro de 2024. A comunicação tem sido um ponto fraco do governo, tanto no método como no conteúdo. Por um lado, prioriza mais as respostas à oposição do que as realizações de governo, e, por outro, não tem sido criativa na retomada de programas sociais, que voltaram com os mesmos nomes e com carimbo de coisa antiga. No conteúdo, anúncios têm sido feitos por ministérios setoriais, sem maior articulação, sendo posteriormente desautorizados, com enorme desgaste para a credibilidade e a unidade do governo.
Antônio Augusto de Queiroz conclui que, com uma composição muito próxima daquela vivenciada durante o governo Bolsonaro, inclusive com a continuidade da direção das Casas, o Congresso ganhou muito poder nos últimos anos e vai precisar de uma atenção especial por parte da coordenação do governo. Além das bancadas informais, que possuem muito poder de pressão dentro do Congresso, como agronegócio, evangélica e segurança, o diálogo mais urgente é com os partidos políticos que estão organizados em quatro grandes blocos no interior da Câmara dos Deputados. “Para o presidente Lula repetir no atual mandato a performance dos mandatos anteriores, o governo vai precisar rever seus métodos e melhorar a coordenação intergovernamental, bem como a comunicação interna e externa do Poder Executivo, inclusive com unidade de linguagem e prioridade na divulgação de ações governamentais. Sem uma relação cooperativa do Congresso, dos entes subnacionais e do empresariado, o governo terá dificuldade na aceitação e na implementação de sua agenda prioritária traçada para o país”, arremata Antônio Augusto de Queiroz.