Nonato Guedes
Não há como esconder que a cassação unânime pelo Tribunal Superior Eleitoral do mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) acabou atendendo a uma vingança arquitetada pelo Partido dos Trabalhadores, que teve quadros seus como o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva retaliados pelo ex-procurador e um dos chefes da Operação Lava-Jato, juntamente com a estrela maior que foi o juiz Sergio Moro, hoje senador e também na alça de mira por uma provável punição. A ação movida pelo PT e PMN em plena eleição de 2022 citava a rejeição das contas de Dallagnol pelo Tribunal de Contas da União quando ele era ainda coordenador da Lava-Jato, um caso que envolveu diárias e passagens irregulares a integrantes da força-tarefa do Ministério Público. Igualmente foi mencionado que Deltan pediu exoneração antecipada do Ministério Público, com isso impedindo a instauração de processos disciplinares em função de sua atuação no MP.
De acordo com o ministro Benedito Gonçalves, do TSE, a exoneração foi uma manobra jurídica para contornar a penalidade que poderia ser imposta a Deltan pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Os processos poderiam torná-lo inelegível e Deltan acabou recorrendo ao que se denomina de “chicana jurídica” para sobreviver com um mandato mais importante, o de deputado federal. Foi com base nisso que a Corte Eleitoral cassou o deputado, que ainda pode recorrer ao Supremo. A justificativa invocada por Deltan de que foi retaliado por ter ousado enfrentar um sistema de corrupção e os corruptos mais poderosos faz parte da sua narrativa de autodefesa. Na prática, abstraindo essas idiossincrasias, o processo ritualístico seguido pelo TSE pareceu estar em conformidade com a legalidade, não subsistindo dúvidas sobre a fundamentação que o embasou.
Em artigo publicado na mídia, o advogado, ex-juiz eleitoral e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis, confirmou a interpretação de legalidade da decisão. Ele foi enfático: “É importante lembrar que a interpretação das normas em matéria eleitoral difere significativamente da aplicação da lei penal, sendo esta última muito mais restritiva. De acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADCs 29 e 30, a inelegibilidade não é considerada uma pena”, ressalta. Para Márlon, o Tribunal Superior Eleitoral tem aplicado a Lei da Ficha Limpa com sabedoria e firmeza. A decisão sobre Deltan Dallagnol “possui uma fundamentação profunda e está alinhada à postura do tribunal de valorizar as bases jurídicas dessa importante lei, que surgiu de uma mobilização social histórica”.
Assim sendo, prossegue Márlon Reis, ao aplicar as normas relacionadas à inelegibilidade, deve-se sempre respeitar o princípio constitucional da proteção, o qual permite a restrição de candidaturas que representem um sério conflito com os princípios que nortearam a conquista dessa lei de iniciativa popular. “Pode-se lembrar de uma posição do TSE que ajuda a compreender o modo do tribunal. A Lei da Ficha Limpa impõe inelegibilidade para aqueles que cometeram crime contra a administração pública. No entanto, a Corte Eleitoral observou que o Poder Público pode ser prejudicado por crimes que não estão especificamente previstos no capítulo do Código Penal, que trata desse tema, mas que possuam uma relação próxima com ele. Assim, pessoas que tenham violado a Lei das Telecomunicações ou infringido a ordem tributária também foram consideradas inelegíveis. Esta abrangência não pode ser entendida como uma extensão arbitrária da norma, mas, sim, como uma aplicação que leva em consideração os objetivos pretendidos pela legislação”, pondera.
Conclui Márlon Reis, aludindo, ainda, à legalidade de que se revestiu a cassação do mandato de Deltan Dallagnol, que a determinação da perda de mandato sem que haja sequer a publicação do acórdão é medida aplicada há tempos no âmbito do TSE e que recursos tomados contra decisões avalizadas pela Corte historicamente nunca foram dotados de efetivo suspensivo. O cumprimento das determinações do TSE deve ser sempre imediato, embora a decisão seja suscetível de embargos de declaração de Recurso Extraordinário Eleitoral. A Corregedoria da Câmara dos Deputados foi acionada pelo presidente Arthur Lira (PP-AL) para analisar a cassação do mandato do deputado paranaense Deltan Dallagnol, o que reforça a expectativa quanto ao cumprimento de preceitos como o direito à ampla defesa, descaracterizando-se a suspeição de parcialidade por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Pelo teor do resultado, que foi unânime, e pelo fundamento das alegações expostas, a causa parece perdida para Deltan Dallagnol, que tem, no entanto, a possibilidade de exercer o “jus esperneandi”. Para além disso, fica no ar uma espécie de aviso para políticos ou agentes públicos que tentam valer-se de certos privilégios para se tornarem intocáveis. Uma lição que passa a ser assimilada por figuras de expressão da cena política-partidária nacional.