Nonato Guedes
Ainda repercute em segmentos da sociedade a dura reação emitida através de nota pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, contra a Proposta de Emenda Constitucional 9/2023, conhecida como PEC da anistia partidária, que tramita na Câmara dos Deputados e conta com manifestações de apoio, inclusive, de deputados da base do governo do presidente Lula. Conhecida como PEC da anistia partidária, ela prevê a revogação das penas impostas aos partidos que não destinaram recursos mínimos para as candidaturas de mulheres e negros nas eleições de 2022. O texto, na prática, perdoa irregularidades cometidas por partidos no uso dos fundo eleitoral e partidário. Houve orientação favorável do governo à proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas o Ministério das Mulheres a vê com preocupação, enquanto o Ministério da Igualdade Racial não se pronunciou.
– Não se justifica a anistia, uma vez que regras relacionadas à reserva de 30% de vagas por gênero existem na Constituição desde 1997, com resolução reafirmando que 30% era o mínimo em 2015 e outra garantindo que também deveria ser de 30% o acesso ao Fundo Partidário desde 2018 – justificou a Pasta chefiada por Cida Gonçalves, acrescentando o fato de esta não ser a primeira vez que o Congresso realiza uma anistia do tipo. “Esta é a quarta vez que este direito político das mulheres é ameaçado”, apontou. As mulheres, como revela a ministra Cida Gonçalves, já contam com uma série de dificuldades para conseguir adentrar a vida pública, incluindo obstáculos socioeconômicos e violência política de gênero. Nesse contexto, a PEC acaba sendo mais um desses entraves para viabilizar a plena participação do sexo feminino no processo político-eleitoral brasileiro. “É preciso reforçar que a ausência de repasse dos recursos destinados às mulheres pela Lei de Cotas e a sistemática desresponsabilização dos partidos constituem na mesma violência política de gênero”, enfatiza.
O Ministério reconhece que não é possível reverter o pleito com base na violação orçamentária, mas apresenta outra solução. “O Ministério das Mulheres propõe que no lugar da anistia, os recursos não aplicados em 2022 sejam destinados a compor um fundo para ressarcir prioritariamente as mulheres e pessoas negras endividadas na campanha”. A PEC 9/2023 teve sua admissibilidade aprovada em votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, sinalizando que o próximo passo seria submeter a matéria a uma comissão especial antes da votação no plenário do Parlamento. O Ministério adverte que a PEC em questão está em tramitação menos de um ano depois da última anistia aprovada pelo Congresso Nacional em maio de 2022. E alerta que a correlação de forças entre os gêneros permanece hoje como imperativo na divisão sexual do trabalho, uma vez que ainda recai sobre as mulheres as responsabilidades com os cuidados dos filhos e da casa – um dos maiores desafios da participação política.
Ressalta que as mulheres que conseguem adentrar à vida pública, superando as adversidades estruturais, são ainda sistematicamente caladas pela violência política de gênero. “A sub-representação de mulheres na política nacional representa um déficit democrático que prejudica a qualidade das políticas públicas voltadas para a mioria da população. Não podemos ignorar os casos de mulheres e pessoas negras endividadas porque os partidos nao cumpriram a Lei que deveria garantir condições para se candidatarem. O Ministério das Mulheres considera que a derrubada da PEC 9/2023, fazendo cumprir a Lei, é o verdadeiro espírito democrático de união e reconstrução que o Brasil precisa neste momento. E deixa implícito o apelo com vistas a sensibilizar parlamentares a reavaliarem essa grave distorção do sistema de representatividade política no país, fazendo o Brasil avançar concretamente nos espaços de participação na tomada de decisões.
Na verdade, as distorções cometidas por cúpulas de diferentes partidos, independente de ideologias – ao centro, à esquerda e à direita – têm subtraído representatividade feminina no número de cadeiras parlamentares e ocasionando “monstrengos”, como o lançamento de “candidaturas-laranjas”, tal como constatou a Justiça Eleitoral em vários Estados, em manobra reconhecidamente ilícita e condenável. Na Paraíba, na campanha eleitoral de 2022, candidatas como a deputada Camila Toscano (PSDB), e Pollyanna Dutra (PSB), que disputou o Senado, ficando em segundo lugar, tornaram explícitos atos de discriminação e de violência em diferentes redutos de regiões estratégicas do Estado. A bancada federal paraibana, hoje, não conta com nenhuma mulher, e a representação feminina se salva por uma bancada atuante na Assembleia Legislativa do Estado. A cruzada contra a anistia e a luta contra o preconceito devem engajar toda a sociedade num movimento que elimine, de uma vez por todas, com as barreiras odiosas que ainda persistem à participação das mulheres na política.