Nonato Guedes
Uma análise feita pelo jornalista Murilo Fagundes, do “Poder360”, destaca que a ampla margem de votos ao projeto do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados, atestou o poder do presidente da Casa, Arthur Lira, expoente do Centrão, não necessariamente um apoio consolidado ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O artigo revela que Arthur Lira é, hoje, quem mais detém poder na Esplanada, em Brasília e possui força política quando se envolve diretamente na articulação para aprovar temas que lhe são caros. Desse ponto de vista, confirma-se a impressão de que o terceiro mandato do presidente Lula continua pecando pela falta de uma base política de apoio sólida que assegure a governabilidade, estando refém de negociações com outros partidos, inclusive, com os que não estão alinhados com o governo. O arcabouço fiscal, aliás, conquistou votos favoráveis no próprio PL, Partido Liberal, que tem como estrela maior o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Apesar de não ser considerada como termômetro para o Palácio do Planalto, a chancela dos deputados à nova proposta de marco fiscal traz alívio ao Ministério da Fazenda. Nos últimos dias, o ministro Fernando Haddad foi elogiado por líderes de diferentes espectros políticos e passou no primeiro teste de fogo de grande envergadura”, ressalta Murilo Fagundes. A respeito do tema específico do arcabouço fiscal, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) já deu sua palavra de empenho para aprovação célere do texto no Plenário, salientando a importância do marco para além de conveniências políticas ou ideológicas, já que envolve a saúde da economia brasileira, afetando a população como um todo. A manifestação de Pacheco se deu numa coletiva de que participou, também, o deputado federal paraibano Aguinaldo Ribeiro (PP), que é relator do projeto de reforma tributária em adiantado estágio de discussão na Câmara. As duas propostas – o arcabouço fiscal, e a reforma tributária, estão interligadas e constituem prioridades do governo do presidente Lula.
O “Poder360” adverte, porém, que o “Congresso reformista”, tal como definido pelo senador Rodrigo Pacheco, não terá bom humor com o governo do presidente Lula ao analisar proposituras que fogem de um perfil mais rígido quanto às contas públicas. É o caso das tentativas de mudar a autonomia do Banco Central, a capitalização da Eletrobras e o marco do saneamento básico. O governo pode apresentar a carta de boas intenções que for. O Congresso vai rejeitar. E a relação entre Executivo e Legislativo pode, nesse caso, sofrer abalos. Essa perspectiva sinaliza que o presidente Lula e seu entorno serão forçados a deixar de lado as medidas sobre as quais não há consenso, principalmente as que propõem movimento bruscos na pauta econõmica, para optar por propostas mais palatáveis. Se assim fizer, o governo continuará acumulando vitórias nos plenários do Congresso e avançando em muitas das pautas que Lula defendeu ou encampou como candidato, novamente, ao Planalto.
Se o governo optar por um caminho mais pedregoso e preferir ouvir aliados mais rebeldes, cuja linha de ação colide com o que prega a cartilha liberal da maioria dos deputados e senadores, a derrota será certa. Um exemplo disso é o marco do saneamento. O presidente Lula alterou decretos que foram editados anteriormente por Jair Bolsonaro. O Congresso entendeu que o governo extrapolou competências para alterar um assunto já decidido pelos congressistas e o clima, efetivamente, azedou. A Câmara impôs, então, a primeira derrota do terceiro governo do petista e o Senado já verbalizou, a partir do seu presidente Rodrigo Pacheco, que seguirá o mesmo caminho se o Palácio do Planalto não retirar o texto. No caso do marco fiscal, Arthur Lira prometeu e entregou. “Foi uma amostra grátis de como será a relação da Câmara se o governo priorizar as propostas econômicas reformistas e a pauta de consenso”, define Murilo Fagundes, concluindo que a guinada, mesmo que forçada, para o centro, e a articulação política efetiva tornariam a vida do Planalto mais fácil nos próximos meses.
A expectativa é sobre se o presidente Lula optará pelo caminho fácil ou pelo caminho mais tortuoso. O líder petista na Câmara, Zeca Dirceu, admitiu, em entrevistas, que parte da bancada do partido no Congresso não concorda com as concessões que eventualmente estão sendo feitas pelo governo para levar adiante a aprovação de matérias que são do interesse do Executivo, mas, pessoalmente, defende que os insatisfeitos procurem se enquadrar à linha emanada do Palácio do Planalto, de forma a garantir uma governabilidade razoável para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem compromissos explícitos com a sociedade, empunhados nos debates que travou no auge do acirramento da campanha em segundo turno contra Jair Bolsonaro. A conjuntura mudou, com acentuada divisão de poderes na hierarquia em Brasília, e é com esta realidade que Lula e o PT precisam conviver e aceitar.