Nonato Guedes
O sinal de alerta voltou a incomodar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com derrotas de matérias importantes para o seu projeto de poder no Congresso Nacional. Ontem, a MP que reestruturou a Esplanada dos Ministérios para o governo Lula foi aprovada, mas a impressão é de que o governo continua no sufoco, tendo que fazer concessões a cada votação, a um preço muito alto. A base parece rebelada, sobretudo, na Câmara dos Deputados, onde os revezes se sucedem, bem como as queixas sobre desatenção do Planalto a demandas de interesse dos parlamentares. O presidente Lula, percebendo a gravidade da situação, apressou-se, ontem, em anunciar a liberação de R$ 1,7 bilhão em emendas para não correr o risco de ser confrontado com novas derrotas, inclusive, sobre a validade da Medida Provisória dispondo a respeito da criação de ministérios, o que inviabilizaria o próprio funcionamento da máquina administrativa, tal como concebido para este terceiro mandato.
Afirma-se que há um indiscutível ambiente de desalinhamento com os interesses do governo Lula por parte de legendas responsáveis pela indicação de três ministros, cada – exemplos do MDB, do PSD e do União Brasil. Juntos, esses partidos contribuíram para a aprovação do marco temporal das terras indígenas e entregaram 83% dos seus votos em direção contrária às diretrizes do Palácio do Planalto. Como se sabe, o texto teve o aval de 283 deputados, enquanto 155 foram contrários. Uma reportagem do jornal “O Globo” mostrou que a própria oferta de ministérios não está sendo suficiente para segurar a base na sua postura de fidelidade aos interesses do Planalto. A “Folha de São Paulo” destaca que Lula enfrenta turbulência na política doméstica enquanto prioriza as relações exteriores, referência ao fato de que, enquanto seu governo amargava mais uma derrota no Congresso, o presidente chefiava um encontro com representantes de todos os países da América do Sul, em Brasília, uma iniciativa sua na busca para viabilizar um novo modelo de integração regional.
O texto do jornalista Ranier Bragon lembra que desde que tomou posse, Lula já viajou aos Estados Unidos, Argentina, Uruguai, China, Portugal, Espanha, Reino Unido, Emirados Árabes e Japão, além de ter reservado parte de sua agenda para tratativas relacionadas à guerra entre Rússia e Ucrânia, não tendo sido, inclusive, bem-sucedido na intervenção feita, que bateu de frente com questões emocionais desgastantes quando balizadas com interesses diplomáticos e comerciais. A ênfase na diplomacia, em todo o caso, contrasta com o até agora fracasso na montagem de uma base de apoio sólida no Congresso. Para alguns aliados, Lula deveria assumir diretamente a condução da articulação política no Congresso, de forma prioritária, intervindo, pessoalmente, para aparar arestas, atender demandas e firmar pactos, pelo menos até que uma base de fato consistente seja formada. Diante do acúmulo de exemplos de reclamações, o petista convocou ainda ontem reunião com o núcleo de articulação política do governo, representado por ministros como Rui Costa e Alexandre Padilha, ao mesmo tempo em que procurou dialogar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), considerado como a grande peça que pode viabilizar ou não a governabilidade do Lula III.
As avaliações convergem para o fato de que Lula foi eleito para o novo mandato em um país polarizado eleitoralmente e viu o Congresso ser formado por uma ampla maioria conservadora, enquanto a esquerda elegeu apenas cerca de um quarto das cadeiras. Em virtude disso, o petista partiu para montar uma coalizão com partidos de centro e de direita, como MDB, PSD e União Brasil, distribuindo nove ministérios a essas legendas, além de descartar lançar um candidato contra a reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), até o ano passado um dos principais aliados de Jair Bolsonaro (P) e também mencionado como expoente do Centrão, agrupamento fisiológico e conservador atuante no plenário da Câmara. O arranjo, entretanto, não tem resultado em uma base sólida, conforme as expectativas. A articulação política do governo sofre uma saraivada de críticas, principalmente na Câmara, e assiste ao protagonismo do Centrão sob a batuta de Lira. Ao sabor dos interesses desse grupo, mais de 300 votos têm sido reunidos tanto a favor como contra o governo.
Arthur Lira chegou a afirmar que o principal problema do governo é a articulação política, formada por ministros “que fazem diversas reuniões, mas tomam poucas decisões efetivas diante de cenários complexos”. A principal reclamação, informa a “Folha”, tem sido em relação à desorganização, à bateção de cabeça interna e à falta de cumprimento de promessas de distribuição e pagamento de emendas aos parlamentares, além de cargos na máquina federal. Lira pleiteia a gerência da distribuição dessas emendas e cargos, tarefa que exercia na gestão Bolsonaro. Há, ainda, falta de acordo entre o presidente da Câmara e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) sobre a forma de tramitação de Medidas Provisórias, sem que tenha havido empenho claro de Lula ou do governo para superar o impasse. O único êxito relevante do governo foi a aprovação do novo arcabouço fiscal, mas isto somente ocorreu devido ao apoio do Centrão e o comando de Lira, que tem encampado pautas do agrado do empresariado e do mercado, enquanto, para Lula, sobram as críticas, e as derrotas.