Nonato Guedes
Em meio à preocupação causada por derrotas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara Federal, constata-se que os nove Estados do Nordeste estão entre as dez bancadas estaduais mais governistas, segundo levantamento feito pelo “Radar do Congresso”, ferramenta de monitoramento do site “Congresso em Foco”. O único “intruso” na lista é o do Pará, terra do governador Helder Barbalho, um dos aliados mais próximos do presidente Lula e irmão do ministro dos Transportes, Jader Filho, ambos do MDB. Pelo levantamento, os deputados do Piauí e da Bahia, Estados governados por petistas, são os que mais votam de acordo com a orientação do governo na Câmara. O terceiro lugar é do Maranhão, governado pelo PSB do ministro da Justiça, Flávio Dino. O índice de governismo dessas três bancadas é estimado em 89%, 81% e 79%, respectivamente – percentual bem superior à média da Câmara, que é de 67%. A Paraíba comparece com 73,73% e índice de governismo.
Na média, revela uma reportagem de Edson Sardinha no “Congresso em Foco”, os deputados nordestinos votaram em 76% das vezes alinhados ao Palácio do Planalto. Depois do Nordeste, região onde Lula foi expressivamente votado como candidato na eleição de 2022, despontam o Norte, com 66%, Sudeste, com 65%, Centro-Oeste com 60% e Sul, com 59%. As bancadas que menos votaram seguindo a orientação do Palácio do Planalto foram as do Distrito Federal, com 52%, de Santa Catarina, com 44% e de Mato Grosso, com 40%. As três unidades federativas são governadas por opositores do presidente Lula. O índice de governismo mede o percentual de vezes em que parlamentares votaram em sintonia com a orientação do governo. O levantamento considera 62 votações nominais, aquelas em que o parlamentar declara o voto, registradas de fevereiro até o último dia 25. O índice não leva em conta a aprovação do PL 490/07, na terça-feira, 30, que limita a demarcação de terras indígenas, nem a votação da MP 1154, de reestruturação da Esplanada dos Ministérios, que causou barulho por parte da oposição.
Depois dos confrontos com o Congresso nos últimos dias, que acenderam o sinal de alerta do governo, o presidente Lula pediu compreensão de seus apoiadores com as frequentes derrotas acumuladas no Parlamento. O presidente disse que, como líder do país, precisa “conversar” com quem “não gosta” dele, numa fala dirigida, sobretudo, a seus liderados que reclamaram de concessões feitas a legendas de direita e de centro em troca de votos para projetos relevantes do Palácio do Planalto. Lula reforçou, didaticamente, a “correlação de forças” no Congresso Nacional, explicando que é necessário unir esforços para recuperar o país. Lembrou que a esquerda toda tem, no máximo, 136 votos de deputados, isso se ninguém faltar. “Ou seja, nós, para votarmos uma coisa simples, precisamos de 257 votos. Então, de 136, façam a conta aí e vejam quantos faltam. E para aprovar uma emenda constitucional, é maior ainda o número de deputados que nós precisamos”, adiantou. Esse cenário ocorre porque, não obstante Lula tenha vencido a eleição presidencial no segundo turno, o Congresso Nacional é fortemente conservador e chega a ser uma espécie de miríade de tendências ou de interesses.
Textualmente, enfatizou o presidente Lula: “É preciso que vocês saibam o esforço que é para governar. É importante que vocês saibam que não é só ganhar uma eleição e, depois, você precisa passar o tempo inteiro conversando para ver se você consegue aprovar alguma coisa. Nós corríamos o risco de não ter aprovado o sistema de organização do governo. E, nesse caso, não tem que procurar amigo ou aliado, mas conversar com quem não gosta da gente, conversar com quem não votou na gente”. No capítulo das derrotas, a Medida Provisória 1154, da reorganização dos ministérios, foi aprovada com uma série de enfraquecimentos das pautas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, atingindo os ministérios de Marina Silva e Sônia Guajajara. O texto, apesar de desacordo do governo, só foi aprovado no último dia do prazo estabelecido, o que demonstra certa insatisfação dos parlamentares com a liderança de Lula. Além disso, propostas criticadas pelo governo têm avançado no Congresso, como a que limita a demarcação de terras indígenas.
As turbulências no Congresso Nacional obrigaram o presidente Lula a liberar recursos de emendas parlamentares, num esforço para acalmar os deputados rebelados. Ao mesmo tempo, desencadearam polêmica sobre a falta de articulação política consistente por parte do governo, opondo ministros que estão na linha de frente da interlocução com o Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem mandado recados ao governo insinuando que não repetirá o papel improvisado de articulador político e sugerindo que o próprio governo faça uma reavaliação e corrija os erros verificados. O presidente Lula entrou diretamente no circuito para conciliar interesses e evitar o esfacelamento da base de apoio. Mas tem consciência de que a maioria alcançada pelo terceiro governo ainda é frágil e está longe de assegurar com tranquilidade o pacto de governabilidade que ele persegue. Equacionar essas demandas é ponto de honra para Lula, antes que sobrevenham novas surpresas desagradáveis.