Nonato Guedes
Analisada friamente, a pesquisa do Ipec divulgada na última sexta-feira indicou variação percentual com queda de 2% na aprovação do terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É um sinal de alerta para que o governo seja mais proativo e passe a corresponder à expectativa criada na campanha eleitoral de 2022 por mudanças concretas na realidade brasileira, porém, não é “o fim do mundo” para a Era petista. Alguns analistas atribuem a oscilação a um recôndito sentimento imediatista de parcelas do eleitorado pela constatação de resultados das promessas eleitoreiras, mas, no contraponto, há quem considere que ainda é cedo para avaliação certeira do inconsciente coletivo que está por trás dos números apurados. Por via das dúvidas, o governo deve ser mais rápido nas ações e o próprio presidente deve focar em soluções, não em verborragias que apenas alimentam o clima de polarização desencadeado em pleno confronto eleitoral.
Também é certo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa fazer um esforço sobrehumano para furar bolhas da opinião pública impenetráveis ao estilo petista de governar, as quais continuam, por isso mesmo, refratárias a toda e qualquer posição que emanar do atual ciclo de poder, tendendo a cultivar uma imprópria nostalgia pela Era Jair Bolsonaro, que, foi, declaradamente, catastrófica. Pode ser que o presidente Lula e seus ministros tenham subestimado a capacidade de análise crítica do próprio eleitorado lulista, confiando em que a lua-de-mel seria duradoura e que o cheque em branco das urnas seria ilimitado. Na prática, as coisas não funcionam assim – e não é dado ao líder petista ignorar o modus operandi da atuação da opinião pública em relação ao poder de plantão. Segundo o Ipec, o percentual dos que classificam a gestão petista de “ótima” ou “boa” passou de 39% para 37%, e agora são 28% os que consideram o desempenho do governo “ruim” ou “péssimo”.
De acordo com o instituto, apesar de as variações estarem dentro da margem de erro, de dois pontos percentuais para cima ou para baixo, a tendência mostra uma piora da percepção da população sobre o governo Lula. Em março, quando o instituto fez a primeira pesquisa de opinião sobre o terceiro mandato de Lula, a diferença entre satisfeitos e insatisfeitos era de 17 pontos; hoje, essa distância é de 9 pontos. O levantamento também apontou que 53% dos brasileiros aprovam a maneira de Lula governar, enquanto 40% desaprovam. Em abril, esses percentuais estavam em 54% e 37%, respectivamente. Já a confiança no presidente passou de 52% para 50%, o que mostra um empate técnico entre os que confiam e os que desconfiam do petista. No Nordeste, onde Lula teve seu melhor desempenho na eleição, a taxa de aprovação recuou de 55% para 45% na comparação com abril. Talvez esse dado específico do Nordeste tenha alarmado o Planalto sobre a questão da popularidade do mandatário.
Fato é que a divulgação dos resultados aconteceu depois de uma série de desgastes envolvendo o governo Lula, a mais visível delas a crise de articulação política com o Congresso, que tem mantido o governo na corda-bamba, como refém de interesses fisiológicos dos líderes políticos e partidários, que chantageiam o governo para aprovação de matérias importantes, a cada rodada de projetos encaminhados à apreciação do Parlamento. Respingaram sobre Lula, inclusive, efeitos da diplomacia internacional, a exemplo da postura dúbia sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a recepção apoteótica ou glamourosa que foi concedida, no Brasil, ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. O presidente Lula, inclusive, perdeu pontos na sua cruzada insistente para exercer ação de protagonismo no cenário externo, tentando colocar-se até como mediador do conflito Rússia-Ucrânia, que tem outras implicações, com a interferência ostensiva do governo dos Estados Unidos como parte da sua estratégia de expansão hegemônica imperialista.
Naturalmente os aspectos desgastantes enfrentados pelo governo Lula refletem diretamente na avaliação de desempenho, obscurecendo até mesmo alguns feitos pontuais que a terceira gestão tenha empreendido, até com gestos, como a reunião promovida com reitores de Universidades brasileiras e a “blitzkrieg” contra os garimpeiros, em troca da proteção a comunidades indígenas espoliadas em seus direitos. A soma dos fatores negativos contribuiu para obnubilar a percepção geral sobre mudanças que estão ocorrendo e que não são meramente cosméticas, como querem fazer acreditar os fanáticos bolsonaristas que se mantêm em guarda, à espera do seu “Messias particular”, a despeito dele estar enrolado, toda semana, em episódios de má conduta e de improbidade administrativa que podem custar-lhe a inelegibilidade, no rol das sanções previsíveis. Há que se registrar, por justiça, que no governo Lula houve surpresa positiva no Produto Interno Bruto do primeiro trimestre, que cresceu 1,9% em relação aos três meses anteriores, acima das previsões, enquanto a inflação desacelerou. O terceiro mandato de Lula tem tempo e meios para se recuperar e fazer avançar a sua agenda, mas precisa ter humildade e ficar, sempre, antenado, aos sinais que pode escutar, vindos da voz rouca das ruas, que é sempre o melhor termômetro dos governos.