Nonato Guedes
Embora tenha conseguido se livrar do impeachment quando exercia a presidência da República, graças à cumplicidade do presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), que engavetou dezenas de pedidos de afastamento do mandatário, Jair Bolsonaro dificilmente escapará da decretação de sua inelegibilidade por parte do Tribunal Superior Eleitoral-TSE, pelo menos conforme a avaliação de juristas respeitados. Em análise publicada no “Congresso em Foco”, o advogado e doutor em Direito Constitucional e Filosofia do Direito Wagner Wilson Deiró Gundim explica que Bolsonaro é alvo de diversas ações promovidas na Justiça Eleitoral, mais precisamente 16 processos que pleiteiam a sua condenação e consequentemente a suspensão dos seus direitos políticos, com inabilitação para o exercício de funções púbicas pelo prazo de oito anos.
Ele destaca a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) que foi proposta pelo PDT e cita versões na imprensa de que o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gustavo Gonet Branco já teria opinado pela procedência da demanda, reconhecendo abuso de poder político e dos meios de comunicação, e, consequentemente, pela aplicação da pena de inelegibilidade. O processo segue tramitando em sigilo provisório, de modo que o exato teor do parecer ainda não foi amplamente divulgado. O objeto desta ação discute a conduta de Bolsonaro (PL) em reunião com embaixadores no Palácio do Planalto, em 18 de junho de 2022 e que também foi transmitida pela TV Brasil e indiscutivelmente divulgada nas redes sociais do então pré-candidato à reeleição. Na oportunidade, o então presidente atacou a integridade do sistema eleitoral brasileiro e suscitou diversas críticas às urnas eletrônicas, colocando em xeque a confiabilidade do sistema de votação adotado pelo país, bem como indicou que membros do Supremo Tribunal Federal estariam atuando de forma sistemática para desestabilizar seu governo.
Wagner Wilson revela que além dos fatos iniciais, já suficientemente críticos para resultar numa possível inelegibilidade de Bolsonaro por parte do TSE, mais recentemente o PDT teria solicitado que fosse incorporado aos autos a minuta de Decreto de Estado de Defesa apreendida pela Polícia Federal na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, em 12 de janeiro deste ano. Conforme o partido, o documento tem relação com o abuso dos meios de comunicação narrado no processo, uma vez que estaria inserido na estratégia eleitoral de promover “grave desordem informacional”. Ainda que a manifestação do Ministério Público não tenha qualquer caráter vinculativo, já que os ministros do TSE decidirão mediante livre convencimento e motivados por provas e elementos do processo, a já confirmação por parte do órgão é um indicativo de que são grandes as chances de o ex-presidente ser condenado e ficar inelegível, não podendo concorrer a qualquer cargo público pelo prazo de oito anos.
A legislação eleitoral prevê, de forma muito clara, ser vedado aos pré-candidatos e candidatos se utilizarem da estrutura pública e burocrática estatal para atos de pré-campanha, de campanha ou para favorecimento pessoal. A medida visa proteger o livre exercício do sufrágio dos eleitores, além de coibir o uso dos meios de comunicação de maneira indevida que possa macular a regularidade do pleito e o equilíbrio da disputa eleitoral. Ao se utilizar do espaço do Planalto, uma nítida estrutura estatal, em reunião oficial do governo e enquanto chefe de Estado para promover pauta ideológica, que era, inclusive, a base de sua pré-candidatura, além de difundir, na oportunidade, notícias inverídicas a respeito do sistema eleitoral brasileiro e de cômputo de votos, Bolsonaro teve comportamentos que podem, sim, configurar abuso de poder político e dos meios de comunicação, sendo assim, cabível a decretação da sua inelegibilidade, de acordo com o entendimento dos juristas. Wagner Wilson diz que, por fim, vale lembrar que em 2021 o Plenário do TSE cassou o mandato do então deputado estadual Francisco Francischini, na época filiado ao PSL, tornando-o inelegível por ter divulgado notícias falsas a respeito do sistema eletrônico de votação, procedimento muito semelhante ao imputado ao ex-presidente Bolsonaro, o que reforça a possibilidade de a Corte Eleitoral seguir o mesmo caminho.
Desde que retornou ao Brasil vindo dos Estados, onde se exilou para não passar a faixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro está visivelmente empenhado em escafeder-se de um rol de acusações a ele atribuídas e que podem lhe custar outras sanções mais graves, além do risco da inelegibilidade política por oito anos. Numa pregação dirigida particularmente a seus apoiadores fanáticos, tem agitado a possibilidade de voltar a se candidatar a presidente da República em 2026, embora tenha sido o primeiro mandatário na história política recente do país a não conseguir reeleger-se ao cargo. À frente do PL Bolsonaro tenta manter acesa a chama mística em torno da sua liderança e planeja, se for possível, percorrer o país apoiando candidatos às eleições municipais de 2024. Ele mantém uma sólida faixa residual de apoiadores e aposta no desgaste do terceiro governo Lula para tentar se reabilitar. Mas com a Justiça no seu encalço, essa caminhada de Bolsonaro torna-se bastante árdua para devolvê-lo em alto estilo à cena política-institucional do país. Aguardemos os fatos!