O jornalista e escritor Luiz Gonzaga Rodrigues atraiu um público numeroso, ontem, na Academia Paraibana de Letras, onde foi homenageado pelos seus 90 anos de idade e lançou o livro “Com os olhos no chão”, que dedicou ao jornalista Martinho Moreira Franco, “luz do nosso cotidiano, de amigos e de cronistas”. Sobre o livro, Gonzaga ressaltou: “Não são páginas inéditas, intocadas, as que se reúnem neste livro. Boa parte vem de Notas do Meu Lugar (1978), Um sítio que anda comigo (1988) e Filipeia e outras saudades (1997), nenhum desses títulos indo além da primeira edição”.
E acrescenta: “Recaído à tentação de recolher em livro as crônicas que vieram depois, intrusas no meio e na mensagem do novo século, terminei cedendo à ideia de uma recolha que pudesse proteger ou lembrar, desde o olhar indulgente de um Celso Mariz, por quem lamentei não usar o chapéu só para descobrir-me à sua passagem, ao favor do leitor e da crítica universitária de hoje. Continuam notas do meu lugar, hoje convertido em cidade próxima do milhão de habitantes”. Ele relembrou que quando começou a assinar textos, a capital paraibana não chegava a 150 mil, a vivência do cronista tocada fundo e bem de perto de calor humano. Em 1978, ao fazer a primeira coleta para a editora Acauã, foi confortado com três vezes mais autógrafos do que ao reeditar Café Alvear, ponto de encontro perdido, na cidade de l milhão.
– A lógica – prossegue – seria ficar onde fui deixado. Onde foi deixada a linotipo, a geringonça mecânica que acendeu o olhar de um egresso do folheto tipográfico, completamente abismado com o milagre de ver, escaldando o meu rosto caboclo, a palavra abstrata espantosamente convertida num lingote de estanho e chumbo. Chorou lá dentro: “Quero ser esse chumbo!”. Que hoje não quer dizer nada”. Essa transformação copiada para as coisas da vida com seus amores e suas dores talvez possam justificar mais um livro. Devo a Paulo Emmanuel – à afinidade que nos tornou parceiros – a revisão e seleção da coletânea, feita e refeita, juntando aos meus os seus próprios arquivos. Menos meus do que de Graciele, a filha que ficou comigo, anjo guardador de recortes que, sem os seus cuidados, teriam se ido como as folhinhas de sumiço sutil do velho pau-brasil vizinho, anterior ao bairro e talvez até à cidade. Lendário e pobre pau-brasil: vem uma farmácia da grande rede e o esquarteja de pedaço em pedaço, lajeando a cimento o viço úmido do paul para se cobrir e nos cobrir de árvores”.
Gonzaga afirma ainda: “Em meio a essas paredes velhas por onde ainda escoam os meus passos, a luz coando pelo vago das telhas, vem Flávio Tavares com a ajuda solidária de sua ilustração. Já havia me emprestado a duração de sua arte no painel que simboliza a Paraíba no pórtico do auditório da Estação Ciência, no Cabo Branco. Fez-me parceiro de seu pai, doutor Arnaldo, às portas de sua fantasia infinita. Juca Pontes me dispensou dos cuidados gráficos, ofício de que eu não abria mão no tempo em que as letras eram o que se viu acima e a leitura não conhecia melhor suporte que o papel impresso. São as coisas pequenas de que têm sido feitos meus livros”.
O evento de ontem fez parte de mais uma edição do Pôr do Sol Literário na Academia, presidida pelo escritor Ramalho Leite. Houve a abertura, com violino, seguida das homenagens a Gonzaga, como a entrega do troféu Solito, do Sol das Letras, entrega da medalha Oscar de Castro, entrega do diploma de Sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, pelo presidente Jean Patrício, e a apresentação do livro do cronista maior Gonzaga Rodrigues “Com os olhos no chão”, por Milton Marques. Seguiu-se a fala do homenageado, traduzindo a sua emoção pela trajetória vitoriosa e consagradora que tem construído ao longo de décadas na literatura paraibana.