Nonato Guedes
Recentes declarações do prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), sobre convergências com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) traduzem o seu esforço para se enquadrar no novo contexto em que está inserido e adquirir condições para garantir apoios que serão vitais para seu projeto de candidatura à reeleição nas eleições do próximo ano. Nesse novo contexto, Cícero tem como principal fiador ou cabo eleitoral o governador João Azevêdo (PSB), notório discípulo de Lula, a quem apoiou mesmo quando este, na campanha do ano passado, declarou alinhamento no primeiro turno à candidatura do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB). No segundo turno, com João dispondo do passaporte para a batalha decisiva, Lula fechou com ele.
É essa dinâmica que Cícero procura compreender ou assimilar, inclusive, porque sabe o quanto é imprescindível o concurso do governo federal para atrair investimentos, obras e recursos que possam lastrear sua pretensão de conquistar um novo mandato. Também tem consciência do prestígio do governador junto ao Planalto, não só em função das afinidades com Lula mas por causa do status que passou a ter na qualidade de presidente do Consórcio Interestadual do Nordeste, sobressaindo-se como um porta-voz dos interesses da região. Sendo assim, é natural que Lucena busque uma aproximação maior com o governo Lula, relevadas as diferenças ideológicas, políticas e partidárias. O prefeito da Capital paraibana rege-se pelo pragmatismo, o mesmo que tem levado o presidente Lula a se compor com expoentes do Centrão para viabilizar a governabilidade, que passa inexoravelmente pelo Congresso.
Excusado dizer que a hipótese de migração de Lucena do PP para outro partido, mais à esquerda, está inteiramente fora de cogitação. O argumento dele é o de que foi acolhido pelo Progressistas num momento em que parecia estar no ostracismo – seguramente, pelo menos, estava afastado da militância política. Gestos assim comovem e sensibilizam políticos submetidos às incertezas da conjuntura e da manifestação popular, esta crescentemente volátil à proporção que o eleitorado se toma de consciência e politização para decidir com liberdade e com visão crítica. Nem há registro de pressão por parte do governador João Azevêdo para enfiá-lo a todo custo numa legenda de esquerda. O mínimo de afinidade de Cícero com o breviário de João e de Lula já basta para torná-lo aceito na miríade de partidos que compõem o multifacetado sistema político-institucional brasileiro.
A expectativa que há é quanto ao desenho da composição que Cícero vai pilotar, a bordo das forças políticas que gravitam em torno da liderança do governador João Azevêdo. A perspectiva natural sinaliza para a permanência do PSB na chapa – e, desse ponto de vista, o vice Leo Bezerra parece inabalável no plano de se manter no posto, não havendo contestação aberta por parte de outros filiados à sigla socialista que, porventura, ambicionem estar naquele lugar. Outros partidos serão incorporados ao palanque, prestigiados em outros níveis na partilha do poder, se, de fato, a estratégia de acomodação for conduzida com habilidade e diálogo. Também caberá ao prefeito fazer algumas concessões e até retoques no discurso. Em suma, submeter-se a uma repaginação do perfil, sem prejuízo das aludidas convicções conservadoras que estão tatuadas na sua individualidade. Sobre as ligações com Jair Bolsonaro, não chegam nem a ser lembradas – e, em tese, ficaram definitivamente para trás.
É nesse compasso que vai se organizando o formato da campanha do prefeito de João Pessoa rumo à obtenção de um segundo mandato consecutivo. Os adversários não escondem que Lucena é um “mouro” no trabalho administrativo. Havendo recursos e projetos, ele não se acomoda – muito pelo contrário. Logo, as críticas que lhe fazem são pontuais, nem sempre fundamentadas ou aprofundadas nem tão comprometedoras para a sua imagem como gerente do poder público. Tal cenário tende a ser reforçado pela soma dos efeitos colaterais que possam advir da boa vontade do governo Lula, interessado em esmagar a “hidra” que já foi o bolsonarismo. Se não chega a figurar em céu de brigadeiro, a pré-campanha do prefeito Cícero Lucena à recondução não é desataviada ou vulnerável no grau do risco maior. É competitiva e, como tal, deve ser encarada com respeito pelos adversários que ainda não conseguem se acertar sobre unidade, havendo mesmo o perigo de divisionismo na atabalhoada direita paraibana. Os próximos passos apontarão sinais mais reveladores do acerto de estratégias que estão, por óbvio, confinadas a bastidores, onde se conspira de verdade e a pleno vapor.