Nonato Guedes
A conclusão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Tribunal Superior Eleitoral, ontem, resultando na sua inelegibilidade por oito anos, não constituiu surpresa para os meios políticos, nem mesmo para os discípulos do ex-mandatário. Bolsonaro foi condenado pela prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação nas eleições de 2022. Com a decisão, ele não pode disputar as eleições de 2024, 2026 e 2028 – duas municipais e uma presidencial. Estará autorizado a se candidatar apenas a partir das eleições de 2030. Foi um rude golpe, além de constituir alto preço a ser pago pela aventura populista de um presidente que jogou o tempo todo contra a democracia e tentou desacreditar o sistema eleitoral brasileiro perante a comunidade internacional.
A indagação que se faz, a partir de agora, é qual o destino do bolsonarismo no cenário político brasileiro. O ex-presidente, como se sabe, foi eleito em 2018 na esteira de um processo de manipulação de consciências, em que se apresentou como candidato contra o sistema, embora, como se viu depois, ele encarnasse todas as mazelas inerentes ao sistema que dizia combater. Baseado numa propaganda mistificadora de que representava “o mito”, o ex-capitão ludibriou incautos sem, necessariamente, apresentar propostas de conteúdo social, apelando apenas para a demagogia. Como disse o ministro Alexandre de Moraes em seu voto, o então presidente da República atacou a Justiça Eleitoral embora, por ela, tenha sido eleito por 40 anos na vida pública. “Isso não é exercício de liberdade de expressão, é conduta vedada”, frisou. Referiu-se, também, ao uso do cargo de presidente da República e do dinheiro público, como a estrutura do Palácio da Alvorada, para praticar abuso declarado de poder.
O Tribunal Superior Eleitoral já havia julgado Bolsonaro em 2018 pela disseminação de “fake news”, produzindo um clima de insegurança e de confronto no âmbito da sociedade brasileira. Na ocasião ele foi absolvido mas foi alertado de que seria condenado se o episódio se repetisse. A ministra Cármen Lúcia, logo no início de sua fala, afirmou que iria votar pela inelegibilidade do ex-presidente por entender que Bolsonaro não respondeu nem pelo Poder Executivo e que agiu para “solapar o sistema eleitoral brasileiro”. O ministro Kassio Nunes Marques, que votou contra a inelegibilidade do ex-presidente, minimizou as falas de Bolsonaro durante reunião com embaixadores acreditados no Brasil, quando criticou o sistema eleitoral vigente. “Considero que a atuação do investigado Jair Messias Bolsonaro no evento sob investigação não se voltou a obter vantagem sobre os demais contendores no pleito presidencial de 2022”, expressou. Foi voto vencido, como se constatou ao final, com o placar de 5 a 2.
O julgamento começou em 22 de julho e durou quatro sessões do Tribunal Superior Eleitoral. Em seu relatório, considerado bastante contundente, o ministro Benedito Gonçalves justificou que votava pela inelegibilidade por considerar que Bolsonaro foi integralmente responsável pelo encontro com os embaixadores, convocado para difamar a imagem do Judiciário brasileiro. “A prova produzida aponta para a conclusão de que o primeiro investigado foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento objeto desta ação”, argumentou Benedito Gonçalves. Jair Bolsonaro ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal na tentativa de obter liminar para participar de disputas eleitorais à vista, mas nos círculos jurídicos ninguém aposta numa reversão dos fatos, dada a gravidade de que se revestem as denúncias contra o ex-presidente da República. A opinião dominante era pela confirmação da inelegibilidade por maioria, havendo dúvida apenas quanto ao placar que seria materializado na decisão da Corte Eleitoral.
Num primeiro momento, enquanto se desenrolavam as discussões no TSE, aliados de Bolsonaro cogitaram alternativas para uma sobrevivência do bolsonarismo sem a atuação decisiva do ex-presidente no cenário, sendo apontados nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que é do Republicanos, e o da primeira-dama Michelle Bolsonaro, que preside o PL Mulher. Ainda é cedo, porém, para uma avaliação sobre quem vai preencher o vácuo de liderança na direita brasileira, inclusive porque alguns bolsonaristas remanescentes tendem a fugir do estilo arrivista que era a característica do ex-presidente da República e que impulsionou ambientes de radicalização poucas vezes vistos na história política do país. Também é mera especulação a hipótese de que Bolsonaro saia desse processo como mártir, atraindo um séquito de apoiadores. O ex-presidente está no limite do ostracismo político, provocado pela sua estratégia errática de fazer política e isto terá reflexos nos desdobramentos da conjuntura política nacional daqui para frente..