Nonato Guedes
A Câmara dos Deputados promete dar partida, hoje, à votação da reforma tributária, uma proposta que está ‘encalhada’ há pelo menos 40 anos no Parlamento por falta absoluta de consenso e, também, por falta de interesse de líderes políticos em fazer avançar soluções para reduzir a escorchante carga tributária brasileira, que já foi comparada a um “manicômio” por especialistas respeitáveis do setor financeiro. A votação anunciada vai se dar em meio a um clima de insatisfação de parlamentares com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que na hora decisiva teve que se afastar das negociações, entrando em campo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos expoentes do Centrão, para viabilizar mudanças no texto que eram reclamadas nos bastidores. Governadores de Estados também se mobilizaram na base da pressão para defender seus interesses.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil, protestou contra o teor do projeto a ser votado, posicionando-se, principalmente, contra a instituição do chamado Conselho da Federação encarregado de centralizar a distribuição dos recursos e que, a seu ver, vai prejudicar Estados e favorecer apenas a União. O relator da matéria é o deputado federal paraibano Aguinaldo Ribeiro, do PP, que nos últimos dias promoveu intensa rodada de articulações com governadores, prefeitos de Capitais e de outros municípios e representantes do governo federal, tendo advertido que o texto final não teria nenhuma conotação ideológica, nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro. Por sua vez, outros deputados usaram o tema da reforma tributária para mandar um recado ao governo, insinuando que a vitória seria do Congresso. Eles conseguiram atrasar a votação de projetos econômicos importantes para o Planalto, como manobra para dar celeridade à PEC da reforma tributária.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a demonstrar “boa vontade” e sinalizou interesse em conversar com as bancadas, conforme versões que circularam em Brasília. Entretanto, os relatos de falta de engajamento do governo em torno da reforma tributária reforçavam nos corredores que a prioridade do Planalto era apreciar os projetos do Carf e das novas regras fiscais. Parlamentares do Centrão ainda criticaram a relação do governo Lula com a Câmara dos Deputados – entre as reclamações estão o atraso no pagamento de emendas, a falta de articulação nas bancadas e de maior diálogo entre o Planalto e o Congresso Nacional. Governistas avaliaram, porém, que a distância do Planalto na articulação pela aprovação da reforma tributária foi “positiva” porque evitou a politização do tema. Foi feito um acordo com o relator, Aguinaldo Ribeiro, para fazer alterações no texto. Já para avançar com a reforma, governadores e presidentes de partidos políticos fizeram, ontem, uma força-tarefa para articular a votação, possibilitando que o ritmo fosse destravado e que a discussão, em plenário, finalmente fosse iniciada.
Dessa força-tarefa participou ativamente o governador da Paraíba, João Azevêdo, na condição de presidente do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Nordeste. Ele declarou, na noite de ontem, que o ambiente entre governadores do Nordeste era amplamente majoritário no sentido de oferecer apoio ao projeto. Entre os principais pontos da reforma, estão a extinção de tributos e a criação de um Imposto Seletivo. Cinco impostos seriam eliminados – o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, abrangendo as esferas federal, estadual e municipal. Serão criados dois IVAs (Imposto sobre Valor Agregado) – o Imposto sobre Bens e Serviços, que substituirá o ICMS e o ISS e a Contribuição sobre Bens e Serviços, que vai unificar os tributos federais com base ampla e não cumulatividade plena na cadeia de produção – ou seja, sem tributação em cascata. O Imposto Seletivo incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas. Seria usado para manter em funcionamento a Zona Franca de Manaus.
Nas palavras do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, a reforma tributária que será votada pelo Congresso constitui “a maior afronta ao pacto federativo”. Ele insinua que haverá concentração de poderes em Brasília, tornando problemática a distribuição, na ponta, dos recursos provenientes da reforma. Por orientação do ex-presidente Jair Bolsonaro, a bancada do PL, que tem 99 deputados, prometeu votar pela derrubada do texto sob alegação de que os mais pobres serão penalizados com um verdadeiro “soco no estômago”. O deputado Aguinaldo Ribeiro diz que não trabalhou com a hipótese de unanimidade sobre o assunto, até em virtude da pluralidade e do choque de interesses e demandas dos Estados e regiões, mas explicou que tentou construir a “reforma possível”, pondo fim a um impasse histórico, de quase meio século. Junto à sociedade perduram reações de ceticismo quanto aos efeitos concretos da reforma -mas é indiscutível que o tema não poderia mais ser adiado indefinidamente como cogitam adversários políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do seu governo.