Nonato Guedes
O prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), foi sensato ao tomar a decisão de cancelar o contrato com uma empresa de Santa Catarina destinado à realização de estudos para averiguar a necessidade de alargamento de trechos da faixa de areia da orla marítima da Capital. O tema já vinha sendo objeto de exploração política por parte de adversários do gestor, que é candidato declarado à reeleição em 2024. Na opinião de Cícero, o debate passou a ser pautado por equívocos e “achismos” da parte dos seus opositores, impedindo que a racionalidade prevaleça na defesa dos interesses da população pessoense. Enquanto aguarda o aprofundamento do debate, o gestor atual vai concentrar esforços em projetos de requalificação da praia, atendendo a demandas que são imperiosas para habitantes dos espaços urbanos ali concentrados.
Na verdade, o alcaide precipitou-se, em parte, ao anunciar a contratação de estudos sem, antes, avaliar a receptividade ao tema não apenas junto à classe política, mas a movimentos ecológicos e sociais de preservação que atuam fortemente em João Pessoa. Isto provocou uma orquestração que vinha sendo difícil de conter, já que a “engorda” da orla passou a constituir o samba de uma nota só, da preferência de políticos que se dizem pré-candidatos a prefeito da Capital dentro de mais de um ano. Da parte do governador João Azevêdo, seu grande aliado, o prefeito obteve compreensão e canais de diálogo, dentro da concepção de que não há tabu quando se trata de pensar o futuro de João Pessoa com hum milhão de habitantes. Mas é certo que a questão do meio ambiente tem se tornado delicada a partir, mesmo, de uma nova consciência preservacionista que se espalha por todo o mundo, tentando conciliar projetos de desenvolvimento com sustentabilidade comprovada.
De mais a mais, qualquer intervenção na orla marítima pessoense tem que se submeter a dispositivos da Constituição Estadual que permanecem intocados desde o governo João Agripino Filho, no final da década de 1960, quando foi proibida a construção dos chamados “espigões” em trechos principais da orla. Essa característica tem repercutido positivamente em favor da imagem de João Pessoa em todo o país e no exterior, e qualquer movimento que é ensaiado desperta sentimentos bairristas que, não raro, se misturam a ambições políticas-eleitoreiras. Isto não significa que a polêmica esteja vetada – apenas sinaliza que qualquer mudança deve estar condicionada aos novos fatores do “politicamente correto”, com medidas preventivas ou com as soluções tecnicamente mais adequadas para a adoção de um perfil moderno e realmente autosustentável. Não parece ter havido, nem de longe, como foi insinuado, qualquer sinal de má-fé da parte do prefeito, muito menos interesse em atender demandas específicas do segmento imobiliário. A humildade com que ele recuou nas intervenções programadas é o exemplo mais eloquente da postura responsável que Cícero cogitou adotar.
As reações que eclodiram questionando diretamente o prefeito Cícero Lucena partiram de três deputados – dois estaduais (Luciano Cartaxo e Cida Ramos, do PT) e de um deputado federal (Ruy Carneiro, do Podemos), que possuem histórico de participação nas eleições municipais locais ou, mesmo, de ascensão ao executivo pessoense. Luciano Cartaxo, em 2020, concluiu dois mandatos consecutivos como gestor da Capital e alcançou aprovação necessária para voltar a exercer um mandato na Assembleia Legislativa. Atualmente, luta dentro do PT para ser candidato próprio da legenda à sucessão de Lucena, dividindo espaços com Cida, que, lá atrás, foi candidata com o apoio do ex-governador Ricardo Coutinho e não logrou êxito. Ruy Carneiro, que chegou a ser secretário de Cícero, obteve em 2020 a mais expressiva das votações na jornada para tentar ser prefeito, ficando em terceiro lugar no páreo. Já se proclama pré-candidato, na expectativa de contar com forças políticas que estão situadas mais ao centro. Outros pretensos postulantes agitaram o tema da “engorda” da praia superficialmente, apenas para tentar desgastar a atual administração.
Afirma Cícero Lucena: “Este é um tema importante, sério, que demanda responsabilidade, e vamos tratar com cautela. Cancelamos o estudo preliminar, vamos discutir com a sociedade, o Ministério Público e a Academia para traçar o melhor caminho”. Foi uma decisão acertada, que não prejudica a continuidade dos estudos para estabilização da barreira do Cabo Branco e, consequentemente, para proteger o patrimônio público e histórico de João Pessoa. O aprofundamento do debate, agora, poderá envolver especialistas qualificados em paisagem urbana da própria Universidade Federal da Paraíba e profissionais de outras entidades que acompanham de perto a evolução dos desafios da Capital, na proporção do seu adensamento populacional. Nada impede, é claro, que o assunto volte à baila em plena campanha eleitoral, mas sem o passionalismo para o qual parecia se encaminhar.